O custo político de ignorar a cannabis na COP30
Em Belém, o Brasil celebra a Amazônia, mas deixa de lado uma planta capaz de impulsionar sustentabilidade, inovação e justiça social
Publicada em 11/11/2025

Mukhtar Babayev, presidente da COP 29, discursa na cerimonia de abertura a 30ª Conferência das Partes (COP30). Foto de Ueslei Marcelino/COP30
A 30ª Conferência do Clima da ONU (COP30), que teve início nesta segunda-feira (10) em Belém (PA), trouxe a Amazônia para o centro do debate climático global. Com foco em acelerar a transição energética, ampliar o financiamento e proteger florestas tropicais, o evento reúne cerca de 50 mil pessoas para transformar discursos em planos concretos.
Em meio às discussões sobre bioeconomia e novas "commodities verdes", no entanto, uma planta de alto potencial para captura de carbono e geração de renda, a Cannabis Sativa, ficou de fora. Para especialistas, a omissão representa um custo político e econômico para o Brasil, anfitrião do evento.
O custo político de ignorar a cannabis na COP30
A ausência da cannabis no debate é, antes de tudo, uma decisão política. É o que avalia Paulo Pereira, professor de Relações Internacionais na PUC-SP e pesquisador de política internacional de drogas. Segundo ele, ignorar o potencial bioeconômico da planta tem um peso significativo.
"O Brasil acaba se ausentando de uma discussão que pode articular três aspectos fundamentais: sustentabilidade, inovação e, principalmente, inclusão social", afirma Pereira.
Para o pesquisador, a omissão expõe uma falha na própria conferência. "No contexto da COP, essa ausência simboliza o quanto a agenda climática continua olhando para as questões com uma moral muito seletiva."
Para ele, seria necessário não só discutir as ferramentas biológicas da planta, como também o tema com o olhar de política de drogas, "que tem impacto gigante em ecossistemas e comunidades, mas que não entra em pauta", comenta.
O que o Brasil perde ao barrar a cannabis
Essa resistência histórica gera perdas tangíveis. O deputado estadual de São Paulo, Caio França, destaca que o custo da não-regulamentação é alto. "Economicamente, o Brasil perde mercado e receitas. Estudos projetam vendas de cerca de R$ 4,9 bilhões e R$ 330 milhões em impostos no quarto ano após a regulamentação", aponta o parlamentar, citando dados de um relatório do Instituto Ficus de 2024.
Além da perda de empregos e da diversificação de cadeias produtivas (como têxtil, construção e bioplásticos), França aponta para um custo político direto. "O Brasil perde credibilidade em agendas ESG e climáticas, o que afeta a atração de investidores. Ficar fora do mercado global de ‘commodities verdes’ reduz nossa influência", completa.
Paulo Pereira classifica a postura do Brasil não como uma "autoexclusão" estratégica, mas como "inação", motivada pelo "medo de setores específicos" e pela relutância em fazer um debate sério, fora do campo moral.
O risco de um "capitalismo canábico" sem justiça social
Embora a inclusão da cannabis na pauta de saúde tenha sido um avanço recente no Brasil, Paulo Pereira adverte que ela ainda é dominada por um "olhar extremamente farmacêutico" e corporativo, em detrimento de associações e pequenos cultivadores.
O professor alerta que uma simples transposição da planta para a pauta ambiental, sem critério, pode repetir erros. O risco, segundo ele, é cair em um "capitalismo canábico" que apenas reproduz as hierarquias vistas em outras commodities, beneficiando grandes corporações em detrimento de comunidades locais.
"O problema não é apenas excluir a cannabis, mas o modo como essa inclusão poderia ser feita", pondera Pereira. "Para ser coerente com o espírito da COP, temos que olhar muito mais para o sentido comunitário, de justiça, e muito menos para a cannabis enquanto produto", avalia.
Para ele, a pauta ambiental da cannabis no Brasil deveria estar conectada à justiça social, à reparação histórica pelos danos do proibicionismo, à agricultura familiar e aos povos tradicionais.
Uma chance de reposicionar o debate sobre a cannabis
Embora o tema não esteja nas mesas principais de negociação, os especialistas veem na COP30 uma oportunidade para reposicionar o debate.
O deputado Caio França acredita que a pressão internacional e o contexto de um evento climático podem ajudar a "furar a bolha ideológica" que trava o assunto no Congresso. "A COP30 é útil politicamente para deslocar o tema do campo moral para o campo técnico e econômico", diz França, defendendo que é preciso mostrar dados sobre captura de carbono e fitorremediação do solo.
Para Paulo Pereira, o Brasil tem o potencial de ir além de simplesmente entrar em um mercado já disputado. O país poderia ser protagonista na criação de um novo modelo para a planta, baseado na justiça climática e na soberania produtiva.
"O Brasil tem o potencial de apontar novos caminhos, mas para isso é necessário ter um plano, um projeto, e um diálogo público que envolva todos os atores", conclui o professor. "Seria uma revolução o Brasil ser protagonista, não só ocupando um espaço no mercado, mas um espaço político de reflexão sobre essa planta em termos de justiça social."



