O drama de pacientes que dependem da Justiça para acessar cannabis no ES

Mesmo com uma lei sancionada, pacientes continuam reféns da burocracia e da lentidão do Estado para acessar tratamentos que poderiam aliviar dores e salvar vidas.

Publicada em 24/04/2025

O drama de pacientes que dependem da Justiça para acessar cannabis no ES

Óleo de Cannabis Medicinal | Foto: CanvaPro

Era para ser um alívio. Quando a Lei 11.968/2023 foi aprovada no Espírito Santo, famílias que convivem diariamente com crises convulsivas, dores crônicas e distúrbios neurológicos acreditaram que finalmente o acesso à cannabis medicinal deixaria de ser uma batalha judicial. Mas mais de um ano depois, a esperança ainda repousa sobre a mesma pilha de processos, laudos médicos e decisões liminares.


A promessa de fornecimento gratuito de medicamentos à base de cannabis pelo SUS estadual segue travada na ausência de um protocolo técnico, exigência da própria legislação que instituiu a política. 


Isso significa que, na prática, mesmo com uma lei vigente, o acesso ao tratamento segue condicionado à judicialização. Atualmente, apenas 135 pacientes são atendidos por meio de decisões da Justiça, segundo a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) do Espírito Santo.


O protocolo assistencial, que está em fase final de elaboração, foi tema de um Grupo de Trabalho Intersetorial ao longo de 2024. Em janeiro deste ano, representantes da sociedade civil passaram a compor o grupo, mas a finalização do documento ainda depende de análises externas antes de ser oficializado. 

 

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"Queremos uma política mais inclusiva e menos refém da indústria farmacêutica", diz deputada do ES. (Foto: Assessoria)


“A dor não espera protocolo”, dizem mães, pais e cuidadores que viram na cannabis uma resposta eficaz onde os tratamentos convencionais falharam. E é pensando neles que a deputada estadual Camila Valadão (PSOL) apresentou o Projeto de Lei 634/2024, que busca tornar a política mais ampla, menos burocrática e, sobretudo, mais justa.


Para o Sechat, Camila Valadão explicou que o novo projeto nasceu da constatação de que a atual legislação, embora importante como marco inicial, é ainda muito restrita. “Quando a Lei foi aprovada em 2023, já representava um avanço importante. Mas ela fala apenas de medicamentos industrializados, o que acaba limitando o acesso. O nosso projeto amplia essas condições clínicas, inclui formas como óleos e fitoterápicos, e propõe fomento à pesquisa, o que é essencial para combater o estigma que ainda ronda o tema”, afirmou.


A deputada também destacou a necessidade de ampliar as condições clínicas para acesso ao tratamento. “Hoje, o acesso à cannabis no Brasil ainda é um privilégio, por conta dos altos custos e da lógica baseada na importação. Precisamos de uma política que garanta soberania, qualidade e diversidade de atores, inclusive via SUS”, reforçou.


Uma das novidades que Camila traz no PL 364 é a possibilidade de parcerias com associações de pacientes, universidades e laboratórios. Para ela, essa integração pode acelerar a democratização do acesso. “Essas parcerias são fundamentais para superar o preconceito e o conservadorismo que ainda existem em torno da cannabis. A partir da ciência, conseguimos comprovar os benefícios terapêuticos e ampliar o diálogo com a sociedade. Democratizar o acesso passa também por democratizar o conhecimento”, explicou.


Urgência que pede ação


Enquanto o protocolo oficial não sai do papel, a deputada aponta o caminho que considera mais urgente: “A SESA precisa regulamentar o tema. Nosso projeto de lei pode justamente contribuir para isso, com uma abordagem mais inclusiva e eficiente. Em maio, inclusive, dentro das ações da frente parlamentar em defesa da saúde mental, vamos intensificar a mobilização para que isso se torne realidade no Espírito Santo”, contextualiza.