Pesquisadores da África do Sul encontram compostos raros com alto potencial farmacêutico em Folhas de cannabis
Estudo identifica 79 compostos fenólicos, incluindo 16 flavoalcaloides nunca antes vistos na planta, abrindo novas portas para tratamentos médicos e validando usos ancestrais
Publicada em 06/11/2025

Folhas de Cannabis. Imagem: Canva Pro
De acordo com um artigo científico publicado na Science Daily no passado mês de setembro, foram encontrados 79 compostos fenólicos em três fenótipos/cultivares diferentes, “25 dos quais nunca tinham sido registados na cannabis” e 16 identificados como flavoalcaloides. Estes estavam, sobretudo, nas folhas de apenas um dos fenótipos estudados. Para o efeito, os investigadores usaram a espectrometria de massa e cromatografia bidimensional avançada.
“Os compostos fenólicos, especialmente os flavonoides, são bem conhecidos e procurados na indústria farmacêutica pelas suas propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e anticancerígenas”, lê-se no mesmo documento.
Já os flavoalcaloides são compostos com uma estrutura molecular que conjuga um flavonoide e um alcaloide ou, dito de outra forma: são aqueles que contêm uma estrutura flavonoide e ainda apresentam um ou mais átomos de nitrogénio. Estes são matéria de estudo principalmente nas folhas de chá, pelas suas propriedades antioxidantes, e estão já a ser testados para o tratamento da diabetes e do Alzheimer.
A autora do atual estudo, Magriet Muller, química analítica do Laboratório LC-MS da Central Analytical Facility (CAF) na Stellenbosch University, manifestou a sua surpresa: “Sabemos que a cannabis é extremamente complexa – contém mais de 750 metabolitos – mas não esperávamos uma variação tão grande nos perfis fenólicos entre apenas três estirpes, nem detetar tantos compostos pela primeira vez na espécie. Especialmente, a primeira evidência de flavoalcaloides na cannabis foi muito entusiasmante.”
Muller explicou ainda que “a maior parte das plantas contém misturas altamente complexas de compostos fenólicos e, embora os flavonoides ocorram amplamente no reino vegetal, os flavoalcaloides são muito raros na natureza”. Além disso, têm um enorme valor farmacológico.
Para os autores esta é uma “descoberta surpreendente” que destaca a complexidade da planta da cannabis “e o seu potencial biomédico inexplorado para além dos canabinoides, abrindo novas portas para a investigação e para a medicina”.
As conclusões deste estudo podem vir a revolucionar a indústria farmacêutica e a própria indústria da cannabis – que, habitualmente, trata as folhas como desperdício; mas curiosamente, também vêm confirmar e, talvez, explicar aquilo que muitas culturas antigas e outros cientistas ao longo da História deixaram registado: que as folhas da planta têm propriedades medicinais para além do valor nutricional da clorofila e dos (poucos) canabinoides que produzem.
Quando a ciência traz respostas para o que já se sabia
O uso das folhas de cannabis está registado em vários textos de medicina chinesa pré-moderna (chamados bencao), nos quais se fala da aplicação de várias partes da planta para o tratamento de diversas maleitas, especialmente as flores e as folhas.
Como contam os investigadores E Joseph Brand e Zhongzhen Zhao, da School of Chinese Medicine da Hong Kong Baptist University, neste artigo científico publicado na “Frontiers in Pharmacology” em 2017, o médico da dinastia Tang, Sun Simiao (581–683 d.C.) deixou registado “o uso das folhas esmagadas, das quais era extraído o sumo, que era usado para curar a dor lancinante dos ossos partidos (Chen and Huang, 2005)”. E no Compendium de Materia Medica, documento do século XVI, o autor Li Shizhen afirmava que a folha da cannabis era indicada para tratar a malária, dizendo-se que induzia [os doentes] num estado de embebedamento (Liu et al., 2009)”.
Outras culturas usavam-nas em chás ou para fazer emplastros curativos e as folhas são ainda um dos principais ingredientes do bhang, na Índia – uma decocção em leite de especiarias e folhas de cannabis, ainda hoje servida em templos e festivais dedicados a Shiva, senhor da ganja. Desde esses tempos idos até aos psicólogos e boémios do Clube des Hashishins (Moreau de Tours, Charles Baudelaire, etc.) e o grupo de médicos irlandeses do século XIX, a planta da cannabis e os seus efeitos foi sendo estudada por uns e outros.
O corpo de estudo mais notável é talvez o do famoso professor, químico e toxicólogo irlandês William Brooke O’Shaughnessy (1809–1889), que registou as suas experiências e resultados com o uso de cannabis para o tratamento de diversas doenças como a cólera, o delirium tremens, as afeições reumáticas ou as convulsões infantis, obtendo resultados surpreendentes e deixando um importante legado para a ciência farmacêutica.
Como aponta o professor Ethan Russo neste capítulo do livro “Cannabis sativa L. – botany and biotechnology”, que correlaciona as descobertas daqueles médicos novecentistas com as de agora, muitos dos resultados que obtiveram há mais de um século estão a ser verificados atualmente pela “ciência moderna”.
De acordo com o Professor André de Villiers, orientador e autor principal do atual estudo da Stellenbosch University, “a nossa análise destaca, mais uma vez, o potencial medicinal do material vegetal da cannabis (…). A cannabis apresenta um perfil fenólico não canabinoide rico e único, que pode ser relevante do ponto de vista da investigação biomédica”.
A descoberta de flavoalcaloides na folha da planta de cannabis adiciona, assim, mais um caminho para a investigação com a planta e abre mais uma janela de esperança para muitos doentes de Alzheimer, cancro e outras doenças.
Conteúdo publicado originalmente em CannaReporter



