Psicodélicos podem ajudar no tratamento da cefaleia crônica, condição que afeta 13 milhões de brasileiros
Revisão avaliou a literatura sobre os mecanismos, a segurança e a eficácia de drogas psicodélicas no tratamento das dores de cabeça crônicas, a chamada cefaleia
Publicada em 07/02/2025
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Imagem ilustrativa: Canva.
Estudo publicado na revista Current Pain and Headache Reports sugere que substâncias como psilocibina e LSD podem reduzir a frequência, intensidade e duração das crises de dor de cabeça, conhecidas medicamente como cefaleia. Os pesquisadores, de Nova York, apontam a necessidade de diretrizes médicas bem informadas para garantir a segurança e a eficácia desses tratamentos.
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O prof. dr. Lauro Pontes, psicólogo e pesquisador da área, conversou com a Sechat e enriqueceu essa discussão. Ele pesquisa o tema há 10 anos e atualmente faz pós-doutorado com o prof . dr. Sidarta Ribeiro. Muitos de seus pacientes já usam microdoses de cogumelo e relatam certa melhora nas dores de cabeças, mas, segundo Lauro,
“existe também um trabalho que precisa ser feito junto com o óleo de CBD e até mesmo o óleo full spectrum, uma junção que poderia ser muito promissora para futuras pesquisas”.
Cefaleia crônica atinge milhões de brasileiros
A dor de cabeça é uma das principais causas de procura por atendimento médico no Brasil. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cefaleia, 95% da população terá pelo menos um episódio ao longo da vida. Entre esse grupo, 70% das mulheres e 50% dos homens sofrem com o problema ao menos uma vez por mês. Além disso, 13 milhões de brasileiros convivem com cefaleia crônica, apresentando dores em 15 ou mais dias por mês. A condição pode ser incapacitante, impedindo que o indivíduo realize suas atividades de rotina e levando muitos pacientes a abusar da automedicação com analgésicos ou a buscar diferentes especialistas até encontrar um tratamento eficaz.
Em relação aos cogumelos, Lauro explica que “o que se sabe é que a dor de cabeça também tem muito a ver com estresse, e o cogumelo diminui o estresse, deixa a pessoa menos ansiosa, mais tranquila. Portanto, até por um efeito secundário, ele acaba colaborando para diminuir a dor de cabeça”.
“Com certeza esses desequilíbrios humanos podem se beneficiar com a regulagem que a psilocibina faz”, ele afirma.
Potencial dos psicodélicos no tratamento da dor de cabeça
Os pesquisadores desse estudo publicado recentemente apontam que essas substâncias demonstram resultados promissores, com pacientes relatando uma redução na frequência, gravidade e duração dos ataques após breves períodos de tratamento.
O Dr. Lauro reitera o potencial da combinação do cogumelo com a cannabis e compara a relação dos dois à amizade entre primos: “a nossa percepção de que a cannabis é essa grande ferramenta, essa grande aliada na saúde mental, ela tem um primo. Eu sempre estou brincando nas minhas falas dizendo isso, que eles têm que brincar junto”. Isso porque “a microdose de cogumelo junto com o óleo rico em CBD e um pouco de THC para relaxar, em doses bem moderadas, para adultos, é um 'libera Rivotril', um 'libera barbitúrico', um 'libera alopáticos desnecessários'”, já que o efeito dessa combinação “taz a pessoa para um estado de maior equilíbrio, de maior felicidade, regulando o sistema endocanabinoide e o sistema serotoninérgico, o que é a grande utilidade do cogumelo”. Os barbitúricos, que ele menciona, são sedativos e calmantes comuns em remédios para dor de cabeça.
O prof. Lauro diz que a psiquiatria há tempos busca algo semelhante. Ele relembra a história desses estudos e conta que “lá atrás, quando o antidepressivo foi inventado, ele foi inventado percebendo que o sujeito depressivo tem uma baixa de serotonina. Logo, eles criaram uma ferramenta que é um inibidor, para que a serotonina que o sujeito produz fique mais tempo em uso, sem ser recaptada. Assim, o ser humano fica sujeito à insuficiente quantidade de serotonina que o próprio corpo dele, desequilibrado, está produzindo”.
Hoje em dia, “porém, quando você estuda e descobre que a molécula da psilocibina é uma análoga química da serotonina, ou seja, a forma da molécula dela é muito semelhante à forma da molécula da serotonina, e depois você também descobre que essa molécula da psilocibina se transforma em psilocina e se conecta num receptor de serotonina, gerando um efeito serotoninérgico no organismo do sujeito, você vê que agora existe a possibilidade, veja bem, de suplementar serotonina de alguma forma, no sentido técnico, científico”. Ele esclarece que isso que ele chamou de “suplementação de serotonina”, obviamente, não seria a própria serotonina, mas seria uma forma de suplementação que traria equilíbrio e evidentes potenciais benefícios à saúde do paciente.
A revisão destaca ainda que os psicodélicos atuam modulando receptores de serotonina no cérebro, impactando a atividade neural associada às crises de dor. Além disso, há indícios de que essas substâncias podem modificar a percepção da dor e a resposta emocional ao desconforto, o que pode potencializar o efeito de terapias complementares, como, segundo o estudo, a terapia cognitivo-comportamental e o treinamento de aceitação e comprometimento.
Diretrizes médicas e outras necessidades
Quando os medicamentos prescritos são ineficazes ou apresentam risco de dependência, os pacientes frequentemente recorrem a opções alternativas. Há evidências anedóticas de que drogas psicodélicas, como LSD e psilocibina, podem tratar e prevenir eficazmente a dor em pacientes com distúrbios de cefaleia, como enxaqueca e cefaleia em salvas.
“Sempre de forma bem dosada e com controle de um profissional de saúde”, reforça Lauro. “Os psicólogos estão autorizado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) a acompanharem pacientes nas Psicoterapias Assistidas por Psicodélicos (PAPs), que é o que eu faço, tanto nas doses de uso terapêutico quanto nas microdoses de uso diário”.
Os pesquisadores ressaltam igualmente a importância de diretrizes médicas bem informadas para orientar profissionais de saúde que atendem pacientes que se automedicam com psicodélicos. O conhecimento sobre os mecanismos e efeitos dessas substâncias pode permitir um aconselhamento mais preciso e um acompanhamento adequado. “Eles vão usando e eu vou acompanhando”, relata Lauro. “O médico também pode receitar e indicar ao paciente, já que não é crime o cultivo do cogumelo nem o comércio dele pela internet”.
Por fim, o professor ressalta que “é sempre importante lembrar e referenciar o cogumelo enquanto enteógeno, de caráter religioso, de busca espiritual”. Ele pondera que é preciso “respeitar a origem desses saberes, porque a gente, enquanto brancos, vai se apropriando disso, fazendo uso e até ajuda as pessoas, mas muitas vezes já deixando para trás esse viés”, que não pode ser esquecido.