Resíduo de cannabis reduz em até 34% o metano produzido por bovinos, aponta novo estudo

Pesquisa indica potencial de resíduos de cannabis na redução de metano, enquanto especialistas avaliam segurança, aplicabilidade e impactos no bem-estar animal

Publicada em 19/11/2025

Resíduo de cannabis reduz em até 34% o metano produzido por bovinos, aponta novo estudo

Imagem: Canva Pro


Um estudo de grande impacto, publicado na BMC Veterinary Research, trouxe à tona o potencial do resíduo da planta Cannabis sativa L. — composto por folhas e talos que geralmente seriam descartados — como uma solução promissora para a redução das emissões de metano na pecuária. A pesquisa in vitro demonstrou que a inclusão do pó de resíduo de cannabis (CSR) na dieta de ruminantes pode reduzir a emissão do gás em até 34,87% após 24 horas de fermentação, sem comprometer a digestibilidade dos alimentos. O melhor resultado foi alcançado com a suplementação de 2% de CSR.
 

 

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A Ação Bloqueadora dos Canabinoides

 

A eficácia do resíduo está na ação de seus canabinoides, especialmente CBD e THC. Por meio de modelagem molecular, os cientistas descobriram que esses compostos conseguem se ligar à methyl-coenzyme M reductase (MCR), a enzima crucial para a produção de metano no rúmen. Essa ligação é estável, sugerindo que os canabinoides atuam como inibidores naturais da metanogênese, interferindo diretamente na reação bioquímica. Além disso, a suplementação modificou a microbiota do rúmen, reduzindo a população de arqueias produtoras de metano (Methanobacteriales) e aumentando a proporção de propionato, um ácido graxo que redireciona o hidrogênio, diminuindo sua disponibilidade para a formação do $\text{CH}_{4}$. Os autores frisam que a redução de metano ocorreu "mesmo sem prejuízo à fermentação ou aos parâmetros nutricionais".

 

 

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Daniela Bitencourt, médica veterinária e pesquisadora da Embrapa, em palestra no Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal. (Crédito: Sechat)

O Confronto com a Realidade Brasileira

 

Apesar dos resultados animadores, a aplicação dessa descoberta no Brasil enfrenta sérias barreiras. A médica veterinária e pesquisadora da Embrapa, Daniela Bitencourt, esclarece que, embora o processo seja "tecnicamente viável, mas hoje, no Brasil, ainda hipotético", o obstáculo inicial é a legislação: "Não é permitido o plantio de cannabis no Brasil em escala, esta seria a primeira barreira regulatória."

A segurança alimentar também é um ponto de atenção central. Para uma eventual liberação, seria necessário o "desenvolvimento de estudos mais robustos, testando especificamente cannabis com diferentes teores de THC, com foco em segurança do alimento e rastreabilidade." A pesquisadora destaca a preocupação com os resíduos de canabinoides na cadeia alimentar. Embora haja indícios de que eles "desaparecem após um determinado período de tempo", Bitencourt enfatiza que "a princípio, ainda não temos muitas respostas sobre a presença de canabinoides no leite ou na carne." Por isso, são cruciais "estudos mais robustos... para que possamos definir estes níveis de segurança."

 

 

 

Potenciais Benefícios Indiretos para o Animal

 

Do ponto de vista fisiológico, a redução do metano e o aumento do propionato — um indicador de melhor aproveitamento energético — trazem uma perspectiva positiva. Bitencourt afirma que "É fisiologicamente plausível que uma redução de metano associada a aumento de propionato traga benefícios indiretos (melhor aproveitamento de energia)". No entanto, ela pondera que "ainda não temos demonstração clara de benefício clínico para o animal", alertando que esses efeitos teriam que ser confirmados em ensaios de longa duração.

 

Implicações Climáticas e o Futuro da Pecuária

 

O estudo aponta para uma alternativa ecológica e de baixo custo para o setor pecuário, um dos principais emissores globais de metano, um gás com altíssimo potencial de aquecimento. Utilizar resíduos da cannabis, que hoje são sem valor econômico, como mitigador de $\text{CH}_{4}$ pode ser uma "ferramenta estratégica" para a pecuária global, contribuindo para "metas de sustentabilidade e redução de gases de efeito estufa." Contudo, os pesquisadores reforçam que os próximos passos dependem de ensaios in vivo para validar a eficiência, segurança e dosagem em rebanhos reais.