Revisão da RDC 327: setor aposta na modernização e ampliação do mercado de cannabis medicinal
Veja pontos essenciais para atualização do marco regulatório da cannabis; Dicol deve votar Consulta Pública nesta quinta
Publicada em 18/12/2024
Imagem Ilustrativa: Canva Pro
A RDC 327, que viabiliza o acesso a produtos à base de cannabis no Brasil, poderá passar por uma revisão importante, nesta quinta-feira (19), na reunião da Diretoria Colegiada (Dicol) que deve votar uma Consulta Pública com propostas para atualização da resolução criada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária em 2019. Atualmente, essa norma atende cerca de 200 mil pacientes, o que corresponde a 31% do mercado de cannabis medicinal no país, de acordo com a Kaya Mind. Até o momento, 23 empresas obtiveram autorização para comercializar produtos, com um portfólio de 41 medicamentos disponíveis em farmácias, além de 35 outros aguardando aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Em 2024, o faturamento com vendas de produtos à base de cannabis superou os R$ 344 milhões, de acordo com dados da Close Up. Além disso, aproximadamente 674 mil unidades de produtos de cannabis foram comercializadas no Brasil até setembro deste ano, com mais de 288 mil prescrições médicas emitidas. Os produtos são frequentemente utilizados no tratamento de epilepsias refratárias, síndrome de Dravet, síndrome de Lennox-Gastaut e esclerose tuberosa, entre outras condições que exigem avaliação médica individualizada.
Atualmente, a RDC 327/2019 estabelece que os produtos de cannabis com até 0,2% de THC podem ser amplamente prescritos, desde que sigam as regras específicas de rotulagem e uso. (RECEITA AZUL)
Para concentrações de THC superiores a 0,2%, a regulamentação permite o uso apenas em cuidados paliativos destinados a pacientes em situações clínicas irreversíveis ou terminais, o que limita o acesso para outros tratamentos. (RECEITA AMARELA)
- A expectativa é que os produtos que são prescritos com receita azul passem a ser prescritos com receita branca e que os prescritos com receita amarela, passem a ser prescritos com receita azul.
A revisão da RDC nº 327/2019 faz parte da Agenda Regulatória 2024-2025 da Anvisa, sendo classificada como o tema nº 8.28. O objetivo da revisão é alinhar a regulamentação com as inovações científicas e as necessidades do mercado de cannabis medicinal, simplificando os procedimentos para empresas e ampliando o acesso dos pacientes aos produtos.
Adriana Schulz dos Santos, sócia e diretora da Promediol do Brasil, destacou a importância do processo de revisão da RDC 327 pela Anvisa, que estabelece normas para o mercado de cannabis medicinal no país.
“Estou muito contente com essa revisão. Vejo que a Anvisa estabeleceu a resolução RDC 327 como uma ponte para o acesso aos produtos à base de cannabis, garantindo a qualidade desses produtos para a população”, afirmou Adriana.
Segundo ela, a revisão ocorre de maneira natural e chega em um momento estratégico para o setor. “Entendo que este é o momento ideal para atualizar a norma. A expectativa é que haja uma modernização da RDC 327, ampliando a disponibilidade de produtos regulados no mercado, ao mesmo tempo em que se estende o prazo para a conclusão das pesquisas que comprovem a segurança e a eficácia dos produtos à base de cannabis.”
Adriana também enxerga o processo como uma oportunidade de posicionamento global. “Vejo isso como uma grande oportunidade para o Brasil se tornar um player importante no mercado global, podendo se posicionar como líder na oferta de medicamentos à base de cannabis que possam ser registrados em agências internacionais, como a FDA e a EMA.”
Sobre os limites de THC estabelecidos na RDC, Adriana comentou que a Anvisa tem se baseado em estudos clínicos já publicados para definir os padrões atuais. “No entanto, reconheço que, à medida que novos estudos forem realizados e evidências robustas e relevantes surgirem, a agência poderá autorizar produtos que contenham THC acima de 0,2%.”
Atualização do marco regulatório da cannabis
Bruna Rocha, presidente da BrCAnn (Associação Brasileira da Indústria de Canabinoides), destacou que a consulta pública proposta é uma oportunidade fundamental para atualizar o marco regulatório e atender melhor tanto o mercado quanto os pacientes. "Pontos essenciais incluem a revisão da definição de produtos de cannabis, a eliminação de ambiguidades como 'predominância de CBD' e 'concentração de THC', além de uma parametrização mais clara do que deve ser enquadrado como produto de cannabis", afirmou.
A revisão também deve abordar a ampliação das categorias de produtos, formas farmacêuticas e vias de administração, visando atender a demandas específicas. A manipulação de produtos de cannabis é outro ponto aguardado pelo setor. Bruna Rocha ressaltou, ainda, a importância de discutir prazos claros para a renovação ou prorrogação de autorizações sanitárias, o que traria maior previsibilidade para as empresas. "A proposta deve evitar sobreposições com normas, como a RDC 660/2022 e as regras de cultivo, embora ajustes possam ser realizados durante o processo de consulta pública. Por fim, acredito que as contribuições de conselhos, como o CFM (no caso de orientações sobre receituário) e o CFQ, serão bem definidas e devidas", concluiu.
Farmácias de manipulação
A farmacêutica Vera Menegatti, à frente da farmácia de manipulação Ephiciencia, destacou a importância de avanços na legislação para permitir a manipulação de produtos à base de cannabis no Brasil. "Acredito e espero ansiosamente que haja alguma alteração na legislação, em razão da repercussão geral reconhecida pelo STF (tema 1341) no julgamento do ARE 1479210, vindo das farmácias de manipulação no Brasil", afirmou.
A atual regulamentação, estabelecida pela RDC 327/2019, permite apenas a comercialização de produtos à base de cannabis em farmácias sem manipulação. Segundo Vera, essa restrição cerceia o direito constitucional do profissional farmacêutico em sua área de atuação. "Por isso, conseguimos trabalhar com a cannabis medicinal por decisão favorável, obtida em medida liminar, que é provisória, mas que autoriza sua manipulação até o julgamento da questão pelo STF", explicou.
Personalização do tratamento
Vera também destacou os benefícios da manipulação de produtos para a saúde dos pacientes. "A farmácia de manipulação contribui muito para o tratamento dos pacientes em geral. Conseguimos atender às especificidades do paciente, adequação de doses e formas farmacêuticas, a personalização do tratamento, facilitando e atendendo a necessidades especiais e individuais", afirmou.
Ela reforçou que a possibilidade de manipulação seria "um grande avanço para a terapia canabinoide", trazendo muitos benefícios para a população e ampliando as opções de acesso a tratamentos personalizados.