Adeus, retrocesso

Nos últimos anos temos visto avançar e fortalecer o mercado brasileiro da cannabis. E esse fato é digno de celebração, mas não podemos ignorar o quão atrasados ainda estamos. E por pura ignorância

Publicada em 05/03/2023

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Por Mara Gabrilli

A máxima de "quem tem dor, tem pressa", infelizmente, não segue a realidade do brasileiro que aguarda acesso a medicamentos à base de cannabis. Aliás, essa é a dura realidade do brasileiro pobre porque há tempos já é patente que com recursos financeiros é possível buscar o tratamento com cannabis medicinal no Brasil. Tudo isso de forma segura e sem marginalização. Então deixemos de hipocrisia. No nosso país temos acesso a fármacos, inclusive, com alto teor do ainda demonizado THC. 

Desde 2015 a Anvisa autoriza a importação desses medicamentos, sem contar na possibilidade de comprar remédios já aprovados pelo órgão regulador em farmácias brasileiras. Vale dizer que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária já aprovou 23 medicamentos de cannabis no nosso país. 

Nos últimos anos temos visto avançar e fortalecer o mercado brasileiro da cannabis. E esse fato é digno de celebração, mas não podemos ignorar o quão atrasados ainda estamos. E por pura ignorância. 

Parlamentares como esta senadora - e tantos outros que se empenham há anos para avançar a pauta da cannabis medicinal no Congresso - tiveram que lutar contra uma epidemia de obscurantismo insuflada por um grupo que ao invés de discutir meios para viabilizar uma política pública de saúde preferia desvirtuar o tema por meio das mais grotescas fake news.

Tamanho desserviço não poderia ter resultado diferente: não avançamos com o PL 399/2015, até hoje sem previsão de ser pautado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. 

Aqui, cabe lembrar, que falamos de um projeto cujo substitutivo na Câmara foi relatado pelo deputado Luciano Ducci, que é médico, e traz avanços importantes, estabelecendo diretrizes para o cultivo da cannabis em território nacional. 

A redação da matéria inclui, por exemplo, o plantio em farmácias vivas do SUS, além de autorização para pesquisadores credenciados plantarem e cultivarem cannabis com a finalidade única de pesquisa científica. Entre outros avanços, o texto ainda permite que associações de pacientes cultivem a substância desde que atendam às exigências de autorização, controle, rastreabilidade e plano de segurança previstas no projeto. 

Falamos de pessoas com autismo, Alzheimer, síndromes e doenças raras, epilepsia, ansiedade e depressão, esclerose múltipla, câncer e outras tantas condições que podem se beneficiar com a sanção dessa política pública de saúde no Brasil. 

São Paulo, por exemplo, já deu um passo gigantesco e pioneiro, que pode se tornar espelho para o restante do país, com a recente sanção da Lei 17.618/2023, que institui a política estadual de fornecimento gratuito de medicamentos à base de canabidiol.

Movido pelo drama vivido por seu sobrinho que sofre com a síndrome de Dravet, o governador Tarcísio de Freitas deu exemplo de empatia, virtude indispensável para considerar alguém um bom gestor. Sair de um microcosmo íntimo e olhar para o coletivo é também exercício do ser público. Sou prova desse pensamento. 

Estar em uma cadeira de rodas desde os 26 anos amplificou a vontade que já nutria de mudar a minha vida e a de outras pessoas. É esse pensamento que espero ser o norte desse novo governo, desse novo Congresso.

Temos inúmeros desafios à frente para colocar o Brasil nos eixos e no trilho das mudanças que tanto precisamos. Mas sem olhar para a saúde pública daqueles que nunca são lembrados não poderemos nos intitular como um novo Brasil. 

Regulamentar a cannabis medicinal vai ao encontro de tudo que o momento atual sugere, progresso, esperança, avanços sociais e econômicos. Contudo, para além de tudo isso, é um ato que nos ensina: para avançar como nação é preciso cuidar das pessoas.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.

Sobre a autora:

Mara Gabrillié senadora da República pelo estado de São Paulo, representante do Brasil no Comitê da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e fundadora do Instituto Mara Gabrilli.