Canabinoides não são só cannabis: falta de bom senso na regulamentação 

“A ignorância traz atraso ao desenvolvimento econômico e social do país. Não dá para entender tamanha falta de noção e comunicação entre os órgãos com poder decisório e regulamentador, submissos a uma burocracia prolixa e corrupção ativa: retrocesso”

Publicada em 08/10/2023

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Por Adriana Russowsky

O Brasil apresenta uma política tão burocrática com relação a substâncias, que acaba impedindo a evolução da economia e empreendedorismo. A tal faca de dois gumes. A dificuldade de comunicação interna dentro dos sistemas de normas e gestão, em sistemas tão “perfeitos” e baseados em fatores complexos, impedem que exista uma conversa interna e concretização de passos essenciais, tanto para a economia quanto para as necessidades da população, protelando o desenvolvimento. 

As decisões sociais importantíssimas sobre a reforma (criminal/usuário) ocupam as pautas do judiciário no Brasil neste momento, enquanto municípios e estados têm autonomia constitucional para agregar a medicina canábica nas relações de medicamentos disponibilizados pelo utópico Sistema Único de Saúde (SUS).  

Enquanto isto, o bom senso sobre a permissividade das substâncias ainda é confuso. Charlatões e aproveitadores da área da saúde brigam para ganhar alguns trocados e espaço nos holofotes. Já os grandes players, gastam suas fichas visionando abocanhar a maior fatia do bolo possível, como usual.  Autoridades vetam iniciativas da área por preconceito, desinformação e hipocrisias religiosas. 

A ignorância traz atraso ao desenvolvimento econômico e social do país. Não dá para entender tamanha falta de noção e comunicação entre os órgãos com poder decisório e regulamentador, submissos a uma burocracia prolixa e corrupção ativa: retrocesso. 

Posso falar sobre isto inclusive por experiência própria: no ano de 2018 tentei de maneira pioneira evoluir uma iniciativa no país. Embasada em um acordo com uma universidade americana, juntamente com um grupo de administradores e advogados obviamente, tentamos trazer um canabinoide para comercializar medicinalmente no Brasil, não derivado de cannabis. Em meio ao processo, perdemos a inocência da nossa gana, ao perceber não somente sobre as burocracias, mas experenciando a maneira profundamente corrupta que faz a roda girar em nossa nação (e no Paraguai também).  

Realmente, não faz sentido não podermos comercializar e agregar a produtos CBD (canabidiol) derivado de outras plantas que não a cannabis. Não estamos falando de drogas de abuso, de substâncias psicotrópicas, e nem mesmo de medicamentos talvez. Um mercado que poderia auxiliar a impulsionar a economia do país através de biscoitos comestíveis para animais, barrinhas de proteína e bebidas para esportistas, cremes com função de tratamento para pele e alívio de lesões.  

Tudo isto com escopo de venda garantido por meio de um marketing global já estabelecido há anos. E, trazendo saúde para uma população que quer fugir do sistema público de saúde e desafogar este orçamento. Realmente, só pode ser falta de noção, pois não é falta de exemplo: 

Os demais países, como os europeus e EUA (vide: Farm Bill 2018, FDA), entre outros, embasam as decisões na origem do canabinoide, se são de plantas que apresentam THC (normalmente a medida de 0,3% é a aplicada) em sua composição ou não, ou ainda originárias do cânhamo. Produtos não originários da planta e derivados do cânhamo são vistos com fácil acesso em suplementos, alimentos e cosméticos.  

O CBD não-hemp é livremente comercializado, floreando o mercado e incentivando o consumo. A WADA, responsável por normatizar o dopping a nível mundial, já permitiu há tempos que os atletas se beneficiem do potencial regenerativo e anti-inflamatório do CBD. Já o Uruguai, possui dois órgãos regulamentadores, um para plantas sem THC, Ministério de Ganaderia, Agricultura e Pesca; e o outro, o Instituto de Regulação do Cannabis (IRCA), para instruir os produtos derivados de plantas com potencial psicotrópico. A Argentina, recentemente, instituiu nova lei sobre o tema com esperança de salvação de sua deteriorada economia. 

E nós, seguimos aqui na espera. 

Notas:  

a) Humulus kriya é uma variedade de lúpulo desenvolvida na California (vide: Peak Health São Francisco) com altos níveis de CBD. A substância responsável pelo relaxamento proporcionada pelas espécies de Humulus sp. é, em grande parte, derivada do terpeno humuleno, também presente em algumas espécies de Cannabis sp.; O óleo de CBD RSHO já pode ser encontrado via importação/prescrição/autorização há muitos anos no Brasil. 

b) O CBD sintético, “bioidêntico”, THC-free e livre de gosto, ainda pode ser extraído da casca de plantas do gênero Citrus sp., e foi também desenvolvido dentro de instituições na Califórnia. 

c) A utilização de CBD, apesar de apresentar nível de segurança para uso humano e animal, não é livre de riscos e deve ser informada aos usuários. Ainda que em menor grau do que ocorre com álcool e tabaco, danos e sobrecarga hepática, interações medicamentosas, sonolência e fadiga, diarreia e mudanças de apetite e alterações de humor podem ser experienciadas.  

A opinião dos nossos colunistas não expressão necessariamente o posicionamento editorial do Sechat.

Sobre a autora:

Adriana Russowsky é farmacêutica, fitoterapeuta sênior, mestre em Ciências da Reabilitação. Pioneira na área canábica no país, trabalha com projetos de criação e direção de Pesquisa e Desenvolvimento de Produtos e Serviços, no ramo de Cosmetologia e Medicinas Naturais.

Hoje compõe e realiza estratégia os protocolos que desenvolveu e criou, dentro de empresas de comercialização de cannabis e de clínicas canábicas no país, e acredita que devem as instituições científicas e educacionais melhor informar os futuros médicos e outros profissionais desta necessidade de conhecimento, ampliando acredita o correto acesso a comunidade.