Foram três dias intensos de trocas, descobertas e conexões que reafirmaram o que já está claro para quem acompanha de perto o universo da cannabis medicinal no Brasil: o futuro é verde, colaborativo e promissor. 

A 4ª edição do Congresso Brasileiro de Cannabis Medicinal e a 4ª Medical Cannabis Fair, realizado pelo Portal Sechat, chegou ao fim neste sábado (24), mas deixou no ar um sentimento de que ainda há muito a florescer, especialmente com o engajamento de profissionais, pesquisadores, pacientes e ativistas que não medem esforços para ampliar o acesso à saúde e à informação baseada em evidências.

O último dia de evento manteve o ritmo com programações potentes em dois módulos que refletem o avanço e a seriedade com que a cannabis tem sido estudada e aplicada: OdontoCannabis e MedCan: Especialidades.

Na parte da tarde, no módulo voltado à odontologia, o destaque foi a integração do sistema endocanabinoide (SEC) com práticas clínicas inovadoras, como a harmonização orofacial (HOF). A cirurgiã-dentista Luciana Diaz abriu os trabalhos mostrando que estamos indo "muito além da estética", com potencial antioxidante e efeito pro-aging dos fitocanabinoides.

Cynthia De Carlo deu continuidade com uma palestra sobre o impacto da modulação do SEC no desempenho esportivo, especialmente para atletas amadores e profissionais. Luciene Cristina de Figueiredo trouxe uma abordagem clínica sobre o potencial antimicrobiano da cannabis na terapia periodontal, despertando atenção para uma nova frente de pesquisa.

Os trabalhos científicos tiveram espaço nobre com apresentações em duas etapas, intercaladas por discussões sobre bruxismo, DTM e dores miofaciais, com contribuições relevantes de Mabel de Freitas Lopes e Nivaldo Vanni. Para encerrar, dois grandes temas: “Cannabis Medicinal – Onde Estamos e Como Chegamos Até Aqui?”, com o médico britânico Arun Bhaskar, e uma imersão sobre microbiota oral e células-tronco da polpa, com Ana Moreira.

MedCan: Especialidades – ciência aplicada e terapias inovadoras

Já no módulo voltado a especialidades médicas, a tarde começou com tecnologia de ponta: Francisney Nascimento abordou o uso da nanotecnologia e da microdosagem no tratamento de doenças neurodegenerativas. Na sequência, Mariana Prado destacou como a cannabis medicinal pode ser uma aliada essencial na saúde da mulher.

A dúvida entre o que é promissor e o que é real ganhou um olhar crítico com a palestra de Cristiano Fernandes, que provocou reflexões sobre o potencial antitumoral dos canabinoides. E o alerta sobre segurança na prescrição veio com Rafael Pessoa, que abordou os riscos de prescrever produtos sem origem confiável.

No fim da tarde, Lauro Pontes mergulhou nos traumas emocionais e no papel do sistema endocanabinoide aliado aos psicodélicos. Já o médico Marcos Alvarenga compartilhou atualizações sobre o uso da cannabis no tratamento da esclerose múltipla. O fechamento foi com energia alta: Ricardo Ferreira trouxe o tema cannabis no esporte, seguido por um bloco de casos clínicos com os médicos Vinicius Barbosa, Alessandra de Moura Lima e Eduardo Faveret, mediados por Wellington Briques.

Visitas que marcaram: autoridades e referências internacionais no último dia do Congresso

A presença da deputada federal Sâmia Bomfim marcou o último dia do Congresso, trazendo à tona a urgência de políticas públicas que garantam acesso à cannabis medicinal no Sistema Único de Saúde. Com forte atuação em pautas sociais, Sâmia se mostrou sensibilizada com os relatos de mães e famílias que lutam pelo direito ao tratamento. “Conhecer a luta das mães por acesso à cannabis medicinal é transformador. São histórias de vida ou morte. Precisamos urgentemente que o SUS abrace essa pauta. Estou comprometida em mobilizar parlamentares e dialogar com o ministro Padilha para avançarmos na regulamentação”, disse.

Em sua primeira visita ao Brasil, a jornalista Laura Ramos, referência na cobertura da pauta canábica em Portugal, se disse impressionada com a dimensão do evento e com o avanço do movimento social em torno da cannabis medicinal no país. Sua visão internacional trouxe comparações relevantes entre os contextos europeu e brasileiro. O movimento social pela cannabis aqui é muito mais forte que em Portugal. Vejo associações organizadas, médicos prescrevendo, empresas estruturadas... O Brasil tem tudo para se tornar uma potência global na cannabis medicinal”, pontuou.

Na sala Sechat, espaço direcionado para encontros e reuniões durante o Congresso, o gerente de medicamentos fitoterápicos da Anvisa, João Paulo Perfeito, se reuniu com membros do governo uruguaio, destacando a importância da Medical Cannabis Fair como ponte diplomática e técnica entre países. O encontro reforçou o caráter internacional do evento e o papel da regulação colaborativa. “O evento foi uma ponte essencial para o diálogo internacional. Tivemos uma rica troca com autoridades do Uruguai, discutindo experiências regulatórias e práticas clínicas. Esse tipo de integração fortalece o nosso trabalho e enriquece o debate sobre a RDC 327”, afirmou Perfeito.

Medical Cannabis Fair: tecnologia, inovação e acessibilidade

De volta ao evento pela segunda vez, Gai Borovich, CEO da Extractos del Sur, destacou com entusiasmo os resultados da edição anterior, que lhe rendeu mais de 80 conexões comerciais no Brasil. Nesta edição, além de apresentar novos produtos, o executivo reforçou o compromisso em compartilhar a experiência uruguaia com o mercado brasileiro. “Voltamos mais preparados, com novos produtos e uma missão clara: compartilhar a experiência uruguaia e fortalecer o ecossistema canábico brasileiro”.

E, trazendo uma novidade para o setor, a Abrace, associação da Paraíba, surpreendeu os visitantes ao apresentar a “Precrify”, uma cabine de prescrição médica digital para cannabis medicinal. A inovação busca agilizar o atendimento de pacientes que necessitam de acompanhamento imediato, conectando-os a médicos via tecnologia, e promete ampliar o acesso à prescrição de forma segura e prática. “É uma solução ágil para quem não pode esperar semanas por uma consulta. Queremos espalhar essa cabine por associações, clínicas e até farmácias”.

Fim? Só do evento. Porque o movimento está só começando

A 4ª edição do Congresso terminou, mas o que ela representa está apenas no início. A presença de tantos profissionais comprometidos com a ciência, o cuidado e a justiça social mostra que a cannabis medicinal no Brasil já deixou de ser tabu e passou a ser tema central de uma nova era da saúde.

O futuro verde está sendo construído agora, com diálogo, dados e, acima de tudo, com pessoas. Até a próxima edição.