Proibição federal do Delta-8 e outros derivados do cânhamo pode ocorrer em outubro
Medida aprovada por importante comitê do Congresso estadunidense pode retirar produtos do mercado em poucos meses
Publicada em 23/07/2024
A Farm Bill é a principal legislação do país para políticas agrícolas e de nutrição | Imagem: Vecteezy
Uma nova medida aprovada por um comitê crucial do Congresso dos EUA pode resultar na proibição de compostos derivados do cânhamo, como o delta-8 THC, ainda este ano. O House Appropriations Committee votou a favor de uma proposta que visa controlar esses produtos, potencialmente antecipando sua retirada do mercado já em outubro.
A medida faz parte de um projeto de financiamento para 2025, abrangendo a agricultura, a Food and Drug Administration (FDA) e outras agências. Entre as disposições incluídas, está a regulamentação de substâncias psicoativas derivadas do cânhamo, como o delta-8 THC, delta-10 THC, THC-O-acetato, HHC e THCP, além do THCA, um precursor do delta-9 THC.
Semelhanças com o delta-9-THC e preocupações com a saúde
Os compostos psicoativos do cânhamo produzem efeitos semelhantes aos do delta-9 THC, encontrado na maconha. Esses produtos, frequentemente vendidos em forma de gomas e outras guloseimas, são criticados por suas embalagens atrativas para crianças. O deputado Andy Harris, de Maryland, autor da emenda ao projeto de lei, destacou a necessidade de combater essas substâncias devido aos riscos à saúde pública.
A emenda de Harris solicita que o FDA analise os riscos à saúde dos produtos derivados do cânhamo e estabeleça parâmetros regulatórios claros. Entre as propostas estão requisitos de rotulagem, padrões de teste, relatórios de eventos adversos, embalagens seguras e limites de idade para compra.
Se aprovado, o projeto de lei de gastos aceleraria a repressão a esses produtos, antes mesmo da finalização do próximo Farm Bill, previsto para o final do ano ou início do próximo. A nova legislação visa fechar a brecha de 2018, distinguindo entre extratos intoxicantes e cânhamo industrial.
O que dizem especialistas?
Renato Filev, neurocientista e coordenador científico na Plataforma Brasileira de Política de Drogas afirma que: “Existem pontos importantes que tangem essa discussão. O primeiro é a questão técnica sobre os efeitos desses isômeros, isto é, dessas variantes da família de compostos semelhantes ao delta-9-THC, como delta-8, delta-10, dentre outros. Creio que o FDA está preocupado com fatores como operar máquinas, dirigir automóveis, intoxicação não intencional de crianças e idosos, questões de interação medicamentosa, metabolismo e, sobretudo, pacientes que fazem uso de polifarmácia ou que já demonstram um impacto metabólico hepático sobrecarregado”, diz o pesquisador que analisa que, como o órgão sanitário norte-americano já restringe o delta-9-THC, o delta-8 também deve seguir o mesmo caminho.
Contudo, é importante lembrar que quando se trata do delta-8-THC, existe uma ação mais atenuada em comparação com o delta-9, pois a afinidade dele pelo receptor CB1, o qual desencadeia os efeitos característicos, é mais baixa, explica Filev:
“Por serem moléculas semissintéticas, os efeitos destes compostos chamados de intoxicantes pelo FDA, são previstos, esperados, não são algo que vá além daquilo que é encontrado, diferentemente do uso das substâncias naturais”, afirma, lembrando que obviamente está falando de um mundo ideal onde a substância é feita e purificada de maneira adequada, sem adição de subprodutos.
Em um segundo momento, afirma o especialista, há também questões para serem discutidas sobre cuidados de boas práticas de fabricação, que interferem também na decisão do órgão federal.
"Vemos que nos Estados Unidos, na prática, esse cuidado com a formulação e produção de produtos à base destes compostos não vem ocorrendo. Em uma rápida pesquisa na internet, é possível acompanhar notícias, por exemplo, de que há uma discrepância do teor de princípios ativos encontrados nos produtos em detrimento daquilo que apresentam em suas rotulagens, levando a uma maior repressão das autoridades competentes”.
Já para Daiane Zappe, gerente de negócios da Revivid Brasil, empresa especializada na fabricação e comercialização de produtos à base de cannabis vindos dos EUA, afirma que:
“A proibição do THC em muitos estados americanos é um reflexo de uma complexa teia de história, política e supostas preocupações com a saúde pública. Mas a verdade é que a exploração do comércio do delta-8-THC só surge pela ausência de regulamentação mais atual e abrangente sobre o uso terapêutico e uso adulto. Como há uma proibição do delta-9-THC e uma omissão legislativa sobre o delta-8, várias empresas começaram a comercializar o composto como uma possibilidade de não estar fora das regras. Em nível federal, o delta-8-THC foi considerado legal sob a Lei Agrícola de 2018 (Farm Bill), que legalizou a produção de cânhamo e seus derivados, desde que o produto contenha menos de 0,3% de THC e, consequentemente, seus subprodutos".
Em resumo, o que Zappe destaca é que, o que não é proibido, é permitido. “Essa é uma máxima do direito”, lembra a empresária.
Enquanto isso, estados dos EUA têm tomado medidas próprias para controlar o mercado desregulado de cânhamo. Produtores de maconha recreativa e medicinal argumentam que a falta de regulamentação dos derivados do cânhamo cria uma concorrência desleal.
A FDA tem alertado repetidamente sobre os perigos destes compostos, ressaltando que esses produtos podem conter químicos nocivos. No início deste ano, autoridades de 20 estados e do Distrito de Columbia enviaram uma carta ao Congresso pedindo a regulamentação desses produtos no próximo Farm Bill.
Em paralelo, o House Appropriations Committee também votou para bloquear a tentativa da administração Biden de reclassificar a cannabis sob a lei federal, impedindo o Departamento de Justiça de utilizar fundos para essa reclassificação.
A medida, se implementada, representará um marco na regulamentação de produtos derivados do cânhamo nos EUA, refletindo uma crescente preocupação com a saúde pública e a segurança dos consumidores.