O segredo por trás dos perfis aromáticos da cannabis
Uma análise dos compostos que moldam o sabor, aroma e efeito da planta, com foco no cenário nacional
Publicada em 19/08/2025

Mais do que a planta em si, o segredo está em moléculas microscópicas chamadas terpenos. Imagem: Canva Pro
O que dá à cannabis seus aromas e sabores únicos? Mais do que a planta em si, o segredo está em moléculas microscópicas chamadas terpenos. Presentes em frutas, flores e ervas, esses compostos são responsáveis por criar perfis aromáticos e gustativos tão diversos quanto o frescor cítrico do limão, o perfume suave de lavanda ou o cheiro resinoso do pinheiro.
No universo da cannabis, eles não apenas definem a experiência sensorial, mas também podem influenciar o efeito entourage — interação entre terpenos e canabinoides como tetrahidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD), capaz de modular ou potencializar sensações.

Entre os principais terpenos, pesquisas já identificaram mais de 100. Cada um com características próprias:
- Mirceno – terroso e herbal, com notas de frutas tropicais; associado a efeitos relaxantes;
- Limoneno – cítrico e refrescante, ligado a sensações de energia e elevação do humor;
- Beta-cariofileno – apimentado e amadeirado, com potencial anti-inflamatório e analgésico;
- Linalol – floral, com notas de lavanda; pode auxiliar no relaxamento;
- Pineno – aroma de pinheiro; possível aliado do foco e da concentração.
Mais que terpenos: uma paleta de compostos
Mesmo com a sua soberania, outros compostos podem impactar no aroma e no sabor da planta. Estudos internacionais, como o publicado na revista Molecules por pesquisadores da Suíça, Alemanha e Espanha, mostram que os aromas e sabores da cannabis também envolvem flavonoides, aldeídos, cetonas, ésteres e compostos de enxofre.
Fatores como genética, luz, solo, irrigação e técnicas de secagem e cura influenciam diretamente o perfil sensorial. O estudo sugere até criar uma roda de aromas e sabores da cannabis, inspirada nas usadas para vinhos e cafés, mapeando descritores como lavanda (linalol), cítricos (limoneno), pinho (pineno) e notas terrosas (humuleno e cariofileno).
Da natureza ao mercado brasileiro
Olhando para o cenário brasileiro, a aplicação de terpenos em alimentos e bebidas é regulamentada pela RDC nº 725/2022 da Anvisa, que autoriza o uso de diversos terpenos como aromatizantes alimentares. “É o principal marco regulatório sobre o tema”, comenta Edoardo Almeida, fundador da Natural Terpenes.
Entretanto, na cannabis ainda existem restrições. Guilherme Storti, proprietário da CrocBuds, explica. “Ainda não podemos trabalhar com terpenos extraídos diretamente da planta, por conta das restrições legais. O mercado encontrou uma saída criativa e tecnicamente viável: os blends de terpenos”.
Segundo ele, esses blends reproduzem fielmente o perfil aromático da cannabis por meio de análises cromatográficas, usando terpenos extraídos de frutas, flores e especiarias.
Outra estratégia para “combater a zona cinzenta” regulatória da cannabis, é apostar em terpenos naturais de frutas, flores e especiarias simulando perfis aromáticos de strains canábicas.
Segurança em primeiro lugar
Assim como medicamentos e demais produtos da cannabis, uma grande preocupação do setor são a produção, o armazenamento e a integridade dos produtos terpenados. Storti orienta que o armazenamento deve ocorrer em local protegido da luz, umidade e variações de temperatura para evitar oxidação e perda aromática.
“Esses terpenos precisam ser certificados para serem comercializados. Realizamos análises recorrentes para assegurar que o perfil aromático se mantenha fiel até chegar ao consumidor final".
Vinicius Calegari, também fundador da Natural Terpenes destaca ainda a importância de realizar análises recorrentes para "assegurar que o perfil aromático seja mantido com o máximo de fidelidade até o consumidor final".
O potencial brasileiro
Segundo Calegari, são percebidos sinais claros do crescimento dos produtos com terpeno, tanto por comportamento de consumo quanto pelo interesse do mercado. "Globalmente, há um movimento crescente em direção a alimentos e bebidas funcionais, sensoriais e com apelo natural, e os terpenos se encaixam perfeitamente nesse cenário".
Quanto à possibilidade de produzir o insumo em território nacional, para Storti, o país reúne biodiversidade e clima ideais para a produção e pesquisa. “Falta apenas destravar o campo regulatório".
"Se o mercado e a legislação se permitirem entender que os aromas da cannabis são ativos naturais, gastronômicos e terapêuticos, temos tudo para viver uma revolução neste segmento", finaliza o empresário.