Raízes da mudança: a pesquisa que une cannabis, bem-estar animal e sustentabilidade na serra gaúcha
O estudo busca democratizar o conhecimento, unir universidade, ciência e campo, e promover o desenvolvimento sustentável na região
Publicada em 03/11/2025

O estudo que quer aproximar o campo da ciência e do cuidado animal | Foto: Divulgação
Em meio aos campos frios e férteis dos Campos de Cima da Serra, no Rio Grande do Sul, um movimento silencioso começa a ganhar corpo. O pesquisador Derek Zarruq, especialista em Práticas de Sustentabilidade Ambiental (UERGS), pós-graduando em Cannabis Sativa (SBEC) e mestrando em Ambiente e Sustentabilidade (UERGS), decidiu transformar curiosidade, coragem e propósito em uma pesquisa que une cannabis, sustentabilidade e bem-estar animal.
Radicado em São Francisco de Paula (RS) e servidor público da Secretaria de Agricultura do município, Derek lançou no início de outubro um formulário digital simples, acompanhado de uma mensagem direta nas redes: “Rapaziada, vou pedir uma força da raça aqui. Tô fazendo uma pesquisa de mestrado sobre cannabis e bem-estar animal, para criar um GT aqui na serra. Quem puder dar uma força, só responder 2 perguntas de assinalar a opção.”
O resultado? Em menos de 24 horas, 170 respostas, todas apoiando a pesquisa. “Metade das pessoas ainda fez questão de deixar comentários espontâneos, mesmo quando não era obrigatório. Isso me surpreendeu demais”, contou Derek, visivelmente emocionado.
Democratizar o conhecimento e romper barreiras

O projeto nasceu com um propósito claro: democratizar o acesso ao conhecimento sobre o associativismo canábico, especialmente em territórios onde o tema ainda enfrenta resistência. “O mestrado começou com a ideia de levar ciência e informação para além dos muros da universidade”, explica.
Derek buscou apoio institucional de peso: o Prof. Dr. Leonardo Beroldt, do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Sustentabilidade (PPGAS) da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), aceitou orientá-lo no estudo, garantindo respaldo acadêmico e ético para avançar com o tema. “Ter o professor Leonardo como orientador me deu segurança. Sabia que, com a chancela dele, o projeto não seria facilmente barrado”, afirma.
Mas o pesquisador também carrega uma motivação pessoal profunda. “Meu primeiro contato com a maconha foi aos 17 anos, quando plantei e fumei o que eu mesmo cultivei. Eu tinha medo, porque tudo que se dizia sobre a planta era negativo. Hoje, aos 38, não tenho mais receio. Quero contribuir para que o acesso e a informação cheguem a quem precisa”, conta.
Cannabis e campo: uma ponte possível
Trabalhando no coração da zona rural, Derek percebeu que o bem-estar animal poderia ser a chave para aproximar o campo da pauta canábica. “Nosso município é essencialmente agropecuário. Mais da metade do PIB vem da pecuária. E um dos principais fatores de perda no setor é o estresse animal. Por que não pensar na cannabis como aliada?”, questiona.
A adesão dos produtores à pesquisa mostra que há mais abertura do que se imaginava. “Enviei o formulário para grupos religiosos, de servidores, de agronomia, pecuaristas e até grupos de pesquisa. Esperava resistência, mas o apoio foi total. Acredito que o interesse econômico tem um peso nisso, o produtor rural entende o potencial que a cannabis pode ter para o futuro da agropecuária”, afirma.
No horizonte, Derek vislumbra um consórcio entre a UERGS, a SBEC (Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis) e a prefeitura municipal, unindo universidade, ciência e poder público para fortalecer a pesquisa e criar um Grupo de Trabalho sobre Cannabis e Bem-Estar Animal.
“Esse consórcio tripartite pode transformar o debate. A universidade traz o rigor técnico, a SBEC oferece respaldo científico e jurídico, e a prefeitura tem o poder de fomentar políticas públicas e abrir caminhos legais. Juntos, podemos dar um salto em direção à sustentabilidade e à ciência aplicada ao campo”, defende.
Um território fértil, em todos os sentidos
O entusiasmo do pesquisador vem acompanhado de um olhar atento para as particularidades da região. “São Chico é um território com grande potencial hídrico, agrícola e logístico. Mesmo nas enchentes que devastaram o estado, aqui o impacto foi mínimo. Temos solo fértil, boa insolação e muito espaço para pensar em agricultura regenerativa”, aponta.
E é justamente nesse ponto que a cannabis se encaixa de forma estratégica. “A batata é nossa principal cultura, mas contaminou parte dos lençois freáticos com metais pesados. A cannabis tem a capacidade de capturar esses metais e recuperar o solo. Então, além do bem-estar animal, estamos falando de restauração ambiental e desenvolvimento sustentável”.
Com o apoio crescente da comunidade, o olhar atento da universidade e o respaldo de instituições científicas, Derek acredita que o projeto pode se tornar um marco. “A pesquisa é o primeiro passo. O próximo será transformar essa adesão em política pública, em território vivo e produtivo. A serra está pronta para essa conversa, e talvez o país também”, finaliza.



