Silvestres, sensíveis e medicados com amor: a cannabis no cuidado de animais exóticos
Morgana, a jiboia resgatada com fratura na coluna, Ninja, o sugar glider que voltou a escalar, e Saanen, a ouriço que correu outra vez: histórias de cura e esperança com a cannabis medicinal em animais exóticos
Publicada em 05/06/2025

Cannabis medicinal em animais exóticos: histórias de alívio, afeto e redescoberta do movimento | Imagem: Divulgação
Há um universo silencioso e pouco desbravado onde pequenas vidas exalam intensidade. Um universo feito de olhos vívidos, patas delicadas e corpos frágeis que muitas vezes não cabem nos protocolos da medicina convencional.
São porquinhos-da-índia, sugar gliders, ouriços, calopsitas e até jiboias...seres que agora encontram na cannabis medicinal um sopro de alívio e equilíbrio.
Nesse caminho entre ciência, afeto e descoberta, veterinárias como Aricia Monteiro e Alice Bonelli estão redesenhando os contornos do cuidado com esses pacientes tão únicos quanto preciosos.
Quando o invisível se revela: o tratamento que respeita a natureza de cada espécie

Aricia Monteiro é médica veterinária com especializações em acupuntura e clínica de pets não convencionais. Seu consultório é um espaço de escuta sensível aos silêncios dos animais que não latem nem miam. “Hoje, além de roedores como porquinhos-da-índia e twisters, atendo um ouriço (Atelerix albiventris) e um sugar glider (Petaurus breviceps). Muitos vieram pela acupuntura, mas a cannabis surgiu como aliada principalmente quando a agitação ou o tamanho dificultam o uso das agulhas”, explica.
E é aí que o óleo de cannabis entra em cena, não como panaceia, mas como ferramenta. “É uma opção segura, desde que o prescritor conheça profundamente a fisiologia da espécie. Não dá para comparar um rato a um ouriço, ou um réptil a uma ave. Cada corpo fala um idioma diferente”, diz.
Casos que tocam: da jiboia à rodinha do ouriço
Entre os relatos que mais emocionam, está o da jiboia Morgana, resgatada com uma fratura na coluna e acolhida pelo Parque Ecológico de Americana. “Ela não se alimentava sozinha e demonstrava sinais de dor. Iniciamos com o óleo de cannabis para ajudar no controle da dor e estimular o apetite. Com o tempo, passou a se alimentar sozinha e demonstrar mais atividade”, conta Aricia.

Outro pequeno guerreiro é o sugar glider Ninja, de cerca de 10 anos, que chegou à tutora Alice Bonelli com sequelas neurológicas por episódios antigos de hipoglicemia. “Ele cambaleava, evitava se mover e parecia viver mais no medo do que na descoberta. Hoje, depois do uso do óleo, ele virou outro animal: o primeiro a sair da toca, explora o viveiro com curiosidade e equilíbrio, e mal reconhecemos aquele bichinho inseguro de meses atrás".
Alice, a veterinária e tutora: quando o afeto também é terapêutico
Alice Bonelli é médica veterinária e também tutora do Ninja, da ouriça Saanen, da porquinha-da-índia Phoebe e do rato Zazu. Seu caminho com a cannabis começou pelo desespero. “Tive um porquinho que passou por mais de 20 desgastes dentários. Nada controlava a dor dele, até que recorremos à acupuntura. Mais tarde, quando nem isso bastava, testamos a cannabis. Ele voltou a comer sozinho”, conta.

A experiência abriu caminho para o tratamento dos outros animais. “A Phoebe tem artrite severa e parou de se mutilar. A Saanen quase não andava mais, e agora voltou a correr na rodinha. E nos ratos, o óleo ajudou em casos de linfoma e osteomielite, reduzindo o uso de fármacos”.
Os desafios: entre a escassez de estudos e o preconceito
A medicina veterinária de animais exóticos ainda tateia no escuro quando o assunto é cannabis. Há poucos estudos, quase nenhuma padronização de doses e muita resistência, inclusive entre colegas da área. “É essencial que o veterinário conheça a fundo cada espécie. Estamos construindo conhecimento clínico na prática, com responsabilidade e monitoramento diário. Os tutores também precisam ser parceiros atentos”, reforça Aricia.
Alice concorda e vai além: “se o profissional não acredita em terapias integrativas, ele não cuida dos meus animais. Hoje só trabalho com quem entende que bem-estar vai além de protocolos”, argumenta.
O futuro: mais ciência, mais sensibilidade
O cuidado com animais exóticos não pode ser genérico. Cada espécie traz seu próprio compasso e, às vezes, a chave para o alívio está em poucas gotas diárias, administradas com o respeito que se deve a uma vida. A cannabis medicinal ainda engatinha nesse universo, mas já dá passos importantes e o mais bonito é perceber que ela não caminha sozinha.
Ela avança ao lado de profissionais como Aricia e Alice, que ouvem o que os olhos dos seus pacientes tentam dizer. Que acreditam que ciência e sensibilidade podem, sim, dividir o mesmo frasco de vidro âmbar.
Veja o vídeo da médica veterinária Arícia, contando sobre os benefícios da cannabis medicinal para animais exóticos.