Conheça oito mitos da Cannabis que podem atrapalhar o tratamento

Conheça os principais pontos da análise da médica Paula Dell'Stella realizada durante live no Instagram do Sechat

Publicada em 14/08/2020

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Valéria França

Nem sempre as informações sobre saúde chegam da maneira mais certa aos ouvidos dos pacientes, principalmente quando o assunto é a Cannabis medicinal. O Sechat separou oito mitos que circulam pela internet –e até mesmo no boca a boca– para a médica Paula Dall'Stella analisá-los especialmente para você.

Conhecida prescritora de Cannabis medicinal, ela explicou os mitos em uma live realizada na última quinta-feira (6). Vale à pena assistir, caso você tenha perdido. Também selecionamos os principais pontos do bate-papo abaixo, para ajudá-lo sempre que houver dúvida sobre o tema.

Mito1. Os medicamentos de CBDs à venda no mercado são iguais. Posso escolher pelo preço.
PDS: Infelizmente não. Os medicamentos não são iguais. As plantas têm genéticas diferentes. O potencial de diversidade de medicamentos à base de Cannabis é muito grande. Também não é só o remédio que influencia na resposta terapêutica. O sistema endocanabinoide presente no organismo das pessoas também se diferencia. Metabolizamos de maneira diferente os fitocanabinoides. Por exemplo, há pessoas com o metabolismo mais rápido e acelerado do THC do que outras.

"Além disso não é só o CBD e o THC que importam."

Tem um estudo maravilhoso feito em relação a COVID. Fizeram uma mostra de tecido de pele saudável, passando por situações diferentes para simular o efeito do vírus e o impacto de 400 extratos diferentes. Apenas 13 tiveram efeito positivo. Quando se tem um estudo com 400 extratos testados e só 13 funcionaram para essa finalidade, a gente sai da expectativa de que só basta THC e CBD para um remédio fazer efeito.

Mito 2. As reações ao tratamento de Cannabis são as mesmas.
PDS: Não são as mesmas. A dosagem muda muito dependendo do paciente. Tem um estudo muito interessante com crianças com epilepsia refratária. A dose indicada para crianças é de 5mg por quilo. Mas uma menina de 30 quilos pode tomar de 60 mg a 1000 mg por dia.

“A Cannabis não é uma pílula que se dá para todo mundo”.

A maioria (90%) das pessoas se beneficia. Há, no entanto, uma minoria que o médico precisa ter mais cuidado. É o caso de quem tem predisposição à esquizofrenia, pessoas que já sofreram surtos psicóticos  e as vulneráveis a ter adição por drogas. Há ainda os pacientes que sofrem com efeitos colaterais, como diarreia, hipotensão e taquicardia. Adolescentes em abuso (que fumam) podem sofrer uma síndrome amotivacional, pois já estão expostos a um consumo excessivo de THC, que leva à falta de vontade de fazer qualquer coisa. É aquele adolescente que não sai de frente da TV ou do vídeo game. Todas essas situações devem ser avaliadas.

Mito 3: A Cannabis só é indicada para doenças graves.
PDS: Eu não costumo usar apenas a Cannabis no tratamento de doenças graves como epilepsia e o câncer, entre outras. Eu olho para o paciente como um todo. Ela não trata a raiz dos problemas, mas os sintomas.

Eu olho para tudo que o paciente está fazendo. A doença é moldada pelos hábitos de vida. Um dos grandes benefícios da Cannabis é devolver a autonomia do doente. Em um contexto contexto social e funcional, perder a autonomia é muito pesado, muito difícil. Por isso que reconquistá-la é tão importante.

A Cannabis também ajuda quem não tenha uma doença grave mas queira ter mais qualidade de sono, por exemplo. Você pode lidar com os canabinoides como se fossem adaptógenos, substâncias que ajudam o organismo a se defender do estresse.

Hoje estamos expostos a muitas coisas que não são saudáveis. É muito difícil encontrar uma pessoa 100% saudável, porque estamos expostos a muitas coisas não saudáveis. É difícil encontrar alguém que não tenha nenhuma dor ou ansiedade.

"A Cannabis tem uma ação antioxidante muito importante. Tem um efeito protetor, sim."

Não acho que você vai usar a Cannabis para prevenir uma doença. Isso é uma falácia. Seriam necessárias mais coisas para algo assim. Funciona muito para lidar com o estresse do dia a dia, como a poluição, o barulho e tantas outras coisas que não damos conta.

Mito 4: Depressão piora com Cannabis.
PDS: Outro dia perguntei nos meus stories do Instagram sobre o que as pessoas queriam saber sobre Cannabis. Perguntei se elas tinham medo dos efeitos colaterais. Um dos efeitos colaterais do THC (tetrahidrocanabidiol) é a depressão. Mas um dos efeitos benéficos é causar euforia, a felicidade. Daí uma pessoa perguntou, mas a mesma substância pode causar as duas coisas. Isso tem a ver com quantidade, produto e metabolismo. Tem pessoas que metabolizam muito bem, tem pessoas que não. Depende da composição do produto. O CBD (canabidiol) tem efeito comprovado no tratamento da depressão.

"Dependendo da dose, o THC pode tratar ou causar a depressão"

O X da questão é o THC. Altas doses provocam efeitos negativos, como depressão, paranóia, ansiedade e taquicardia. Algumas pessoas são mais suscetíveis. Elas vão sentir estes efeitos na segunda e na terceira vez que usarem, mas acabam se acostumando. Tenho pacientes que vaporizaram tanto que começaram a se sentir depressivos e foram ao consultório para tentar parar de usar. Então a dose é muito importante, quando se fala de canabinoides. Ele pode ser remédio ou abuso.

Mito 5. Menores de 18 anos não podem receber tratamento com Cannabis.
PDS: Isso é mentira. Lembremos que foram as mães das crianças que começaram tudo isso. Elas quebraram todos os paradigmas ao lutar pelo tratamento dos filhos. Mesmo assim, tenho duas considerações importantes a fazer. Primeiro, os adolescentes não devem usar a Cannabis sem indicação clínica. O médico sempre faz o cálculo do risco e do benefício, quando administra um medicamento. Se o benefício for maior que o risco, tudo bem. Este é o caso de pacientes com crises constantes de epilepsias. As convulsões vão causar problemas muito maiores que os riscos do medicamento.

Uso abuso da Cannabis na adolescência causa problemas na fase adulta

Segundo ponto, a adolescência é a fase que ocorre a poda neuronal (quando as conexões neurais não usadas são cortadas). Isso precisa ser explicado aos adolescentes. Se você disser que Cannabis faz mal e eles têm a experiência oposta, não vão acreditar. Portanto, não vão deixar de usar. As consequências do abuso do uso só vão aparecer no futuro, na fase adulta. Eles serão propensos à depressão, ao uso abusivo de drogas, obesidade e falta de foco. Estou falando do uso abusivo, do adolescente que usa todo dia.

Mito 6. Fumar um baseado tem o mesmo efeito que tomar um medicamento.
PDS: Não tem. Não é porque a Cannabis melhora os sintomas, que a doença está sendo tratada. A maioria das doenças crônicas estão relacionadas ao estilo de vida. Usar a Cannabis para aliviar os sintomas é o mesmo que colocar um curativo no machucado. Melhora a qualidade de vida, mas não soluciona. É preciso tratar a causa. Existe um conceito moderno de resolver rapidamente o problema. Como a Cannabis alivia muito os sintomas, existe muita gente que acredita estar tratando os problemas. Junto com a Cannabis é preciso haver um tratamento associado, que muitas vezes implicam em uma mudança no estilo de vida.

"Existe um papel para a Cannabis na Covis."

Mito 7. Cannabis pode curar a Covid-19.
PDS: Curar não seria a palavra correta. Mas existe um papel para a Cannabis na Covid. Um estudo analisou retrospectivamente os benefícios anti-inflamatórios à tempestade de citocinas, que levam a uma resposta inflamatória do organismo, que faz a doença entrar na fase crítica. A Cannabis teria o papel na redução das substâncias inflamatórias. Além disso, tem o estudo que citei acima, sobre a redução da substância que facilita a entrada do vírus na célula. Foram testados 400 óleos de Cannabis, apenas 13 tiveram eficiência nesta ação. Tem outro trabalho que fala do poder da redução da fibrose pulmonar.

Mito 8. Cannabis é bom para qualquer tipo de dor.
PDS: A dor neuropática é a mais estudada na Cannabis. Eu diria que ela é boa para dor crônica em geral. Não é por não estar listada, que não deve ser usada. Mas para a dor aguda não é indicada. Ela pode aumentar a sensibilidade do paciente.