Afinal, o que é Ice? Um extrato potente, natural e ainda pouco compreendido

Farmacêutico e especialista em Cannabis Medicinal convida a sociedade a olhar para a cannabis com mais ciência, menos sensacionalismo e mais empatia.

Publicada em 08/07/2025

Afinal, o que é Ice? Um extrato potente, natural e ainda pouco compreendido

Ice não é vilão: a verdade por trás do extrato da cannabis que virou manchete | CanvaPro

Uma reportagem exibida no final de junho pelo programa Fantástico, da TV Globo, acendeu o alerta: o chamado “Ice” da cannabis foi apresentado como um composto de alta potência, com potenciais riscos e efeitos colaterais. Mas afinal, o que é de fato esse extrato? Seria ele um inimigo mascarado ou apenas mais um método dentro das boas práticas farmacêuticas?

Para responder com responsabilidade, o Portal Sechat ouviu Carlos Espínola, mestre em Farmacoquímica, consultor farmacêutico da QualityGMP e especialista em Cannabis Medicinal. Com mais de 15 anos de experiência na área, ele traz um olhar técnico e sensível e explicativo sobre o tema.


O Ice é apenas uma forma de extrair e não um composto à parte


 

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Carlos Espínola, farmacêutico e especialista em cannabis medicinal, explica em entrevista exclusiva ao Sechat todas as dúvidas sobre o Ice | Foto: Divulgação 

“O que se chama de Ice é, na verdade, o resultado de uma técnica de extração que utiliza temperaturas muito baixas para congelar os tricomas, estruturas da planta onde se concentram canabinoides, terpenos e flavonoides”, explica Espínola. Em outras palavras, é uma forma de preservar ao máximo os compostos bioativos da cannabis, com o diferencial de não usar solventes químicos.

E mais: segundo o especialista, o Ice pode ser considerado um extrato full spectrum, pois mantém a integridade dos principais componentes da planta. “Nada impede, no entanto, que seja convertido em um broad spectrum, caso o THC seja removido”, acrescenta.


Menos clorofila, mais potência terapêutica


A ausência de solventes e a redução de impurezas vegetais, como a clorofila, fazem do Ice um extrato com alta concentração de fitocanabinoides. Isso significa que doses menores podem ser suficientes para alcançar o efeito terapêutico desejado, um ponto positivo para pacientes que precisam de tratamentos potentes, mas melhor tolerados.

“Pacientes com dor crônica severa, epilepsia refratária ou câncer podem se beneficiar muito desse tipo de extrato”, afirma Espínola. Ele também ressalta que a forma de uso (vaporizado ou ingerido) pode influenciar na tolerabilidade e na resposta clínica.


E o tal do efeito entourage? Está preservado


Um dos receios mais comuns entre pacientes e prescritores é se o Ice comprometeria o chamado efeito entourage, que basicamente é a sinergia entre os compostos da planta que potencializa os efeitos terapêuticos. “Esse medo é infundado. O Ice mantém terpenos e canabinoides em sua composição, permitindo que o efeito entourage ocorra de forma eficaz”, garante o farmacêutico.


Sensacionalismo x ciência: por que precisamos respirar fundo


Sobre o tratamento dado ao tema na grande mídia, Espínola é direto, mas generoso. “Ainda há muito desconhecimento. Termos técnicos são apresentados fora de contexto, e isso assusta. Mas o Ice é apenas uma técnica, como a extração alcoólica ou com CO₂ supercrítico. Nenhuma é boa ou má por si só, tudo depende da finalidade e da responsabilidade envolvida”, avalia o farmacêutico.

Para ele, o caminho passa por educação e informação de qualidade. “É isso que o Sechat tem feito, e é isso que precisa ser fortalecido”, diz.

Com uma trajetória sólida na  associação ABRACE e na indústria farmacêutica, Carlos Espínola enxerga a necessidade urgente de pontes entre profissionais da saúde e a imprensa. “Precisamos falar a mesma língua, com base em evidências e alinhamento técnico. Só assim o debate sobre cannabis medicinal evolui e o preconceito dá lugar à empatia”, aponta.

Para ele, a imprensa tem um papel crucial: “Quando jornalistas se comprometem com a ciência, ajudam a construir um ecossistema de confiança e segurança para pacientes, familiares e prescritores”.

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Ice não é mistério: é ciência aplicada


Entre o medo e o exagero, a verdade costuma ser mais simples e mais humana. O Ice é só mais uma ferramenta terapêutica que, se usada com critério e conhecimento, pode melhorar a vida de muitas pessoas. O desafio está em saber escutar as vozes certas, aquelas que vêm da prática, da ética e da escuta atenta do sofrimento humano.


Como bem conclui Espínola, “a cannabis é uma planta. O que fazemos com ela é que define se seguimos o caminho do cuidado ou da desinformação”.