"Todo mercado legal deveria produzir cannabis internamente", diz Alex Rogers sobre Brasil e Alemanha

Especialista aponta que o Brasil tem potencial para se tornar líder global no cultivo, enquanto a Alemanha expande sua produção nacional

Publicada em 21/02/2025

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Alex Rogers, fundador da International Cannabis Business Conference (ICBC) | Fotografia-Jan Kulke- ICBC-2024-Day-

 

A Alemanha desponta como o país com o mercado regulado de cannabis mais avançado da Europa, segundo Alex Rogers, fundador da International Cannabis Business Conference (ICBC). Em entrevista, ele destacou que, apesar dos avanços, o setor ainda enfrenta entraves regulatórios que limitam o pleno desenvolvimento da indústria.

 

Avanços na regulação

 

O maior impacto recente no mercado alemão foi a retirada da cannabis da lista de narcóticos em 2024. Os primeiros impactos econômicos surgiram no segundo trimestre do mesmo ano com a importação de 11.706 kg de flores secas de cannabis para fins médicos ou científicos. De acordo com o Instituto Federal de Medicamentos e Dispositivos Médicos da Alemanha (BfArM), um aumento de 44% em relação ao primeiro trimestre e de 51% em comparação ao mesmo período de 2023. Esse é o maior volume de já registrado desde a legalização da cannabis medicinal em 2017. 

"Sem dúvida, a remoção da cannabis da Lista de Narcóticos da Alemanha é a maior mudança regulatória que ocorreu", afirma Rogers. Essa medida não apenas ampliou o acesso seguro à planta para pacientes, como também impulsionou o setor medicinal. "As prescrições de cannabis medicinal aumentaram 1.000% na Alemanha entre março de 2024 e dezembro de 2024", revela. Além disso, a remoção eliminou o limite de produção doméstica para cannabis medicinal e removeu barreiras que antes dificultavam a pesquisa no setor.

 

"Os dados mostram que a indústria legal de cannabis da Alemanha registrou um crescimento significativo desde abril de 2024, com muitos setores atingindo receitas recordes desde a promulgação da lei CanG, particularmente os setores que atendem ao cultivo doméstico, consumo e cannabis medicinal. No entanto, a indústria ainda enfrenta limitações devido à relutância de alguns legisladores e reguladores alemães em lançar testes-piloto, além dos problemas contínuos causados por acordos obsoletos da União Europeia."

                                                                   Alex Rogers         

Apesar disso, o mercado de uso adulto segue com restrições. Ele explica que o comércio de cannabis para uso adulto ainda precisa de melhorias. Parte disso está nas mãos dos legisladores alemães, que precisam permitir os projetos-piloto regionais, e outra parte está no nível da União Europeia, onde os acordos precisam ser modernizados. explica.

 

Oportunidades e desafios

 

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               Alex Rogers         

A ICBC (Conferência Internacional de Negócios de Cannabis) se consolidou como um dos principais eventos globais do setor, conectando investidores e empresas. Segundo Rogers, o setor medicinal continua sendo a principal oportunidade de negócio na Europa devido à regulamentação já estabelecida. "Enquanto o comércio de uso adulto na UE é limitado à pesquisa, o comércio de cannabis medicinal é amplamente aceito", aponta. Além disso, o cultivo e o consumo são os dois pilares para o mercado de uso adulto. 

"Empreendedores, investidores e inovadores que possam ajudar as pessoas a cultivar cannabis em casa e/ou consumi-la de maneiras inovadoras terão muitas oportunidades. Além disso, o setor do cânhamo continua promissor em toda a Europa, abrangendo desde têxteis industriais até aplicações em biorremediação e produtos consumíveis", compartilha. 

Porém, para quem deseja entrar no mercado alemão, é essencial estratégia e conexões. "As empresas precisam saber como entrar efetivamente no mercado e estabelecer sua presença, o que exige timing, networking e as parcerias certas", afirma. Rogers também menciona a nova iniciativa, The Talman House, uma rede privada de investidores que visa conectar empresas e investidores sem os obstáculos comuns do setor.

Outro ponto de destaque é a interseção entre a indústria farmacêutica e o setor de cannabis. "Desde 2017, as farmácias alemãs são os principais pontos de venda de produtos de cannabis medicinal, facilitando o acesso legal dos pacientes aos seus medicamentos e promovendo uma mudança de mentalidade em ambos os setores. Mais empresas farmacêuticas estão investindo em pesquisa e desenvolvimento de produtos à base de cannabis, o que resulta em medicamentos mais eficazes e incentiva mais farmácias a comercializarem esses produtos", analisa Rogers.

 

Brasil e Alemanha: desafios comuns

 

O Brasil segue um modelo regulatório que oferece aos pacientes três principais vias de acesso à terapia canabinoide: importação, associações e farmácias. Em 2025, está prevista a regulamentação do cultivo de cannabis para fins medicinais e farmacêuticos.  A proposta de regulamentação deve ser apresentada em maio, fruto do trabalho conjunto entre a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). O anúncio coincidirá com dois importantes eventos do setor em São Paulo: a Medical Cannabis Fair e o Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal. Ambos são voltados ao desenvolvimento científico e profissional do setor, consolidando o Brasil como um polo de discussão e avanço da terapia canabinoide e da indústria do cânhamo.

"Todo mercado legal deveria ser capaz de produzir cannabis e criar produtos internamente, e o Brasil não é exceção. O país tem um clima favorável para o cultivo sustentável de cannabis a céu aberto, uma vantagem que a Alemanha não possui. Durante anos, a Alemanha impôs um limite de cota para a produção doméstica de cannabis medicinal e dependia fortemente de importações. Com a remoção desse limite pelo CanG (sigla da Lei da Cannabis, uma lei alemã que legaliza o uso recreativo da maconha para adultos), mais cannabis pode ser cultivada internamente, fortalecendo a indústria local. Aumentar a produção nacional no Brasil seria um grande avanço e, em algumas décadas, o país poderá se tornar uma das principais fontes globais de cannabis, assim como acontece com diversas outras culturas agrícolas", avalia Rogers.

Atualmente, o Brasil depende principalmente das importações de insumo farmacêutico ativo (IFA) e de produtos industrializados, um cenário parecido com a Alemanha. "Ambos países apresentam cenários regulatórios [ainda em progresso] e mercados em transformação, o que cria obstáculos únicos. Isso dificulta o financiamento, o acesso aos sistemas bancários e o desenvolvimento de planos de negócios sustentáveis a longo prazo. Esses desafios são comuns para empreendedores de cannabis tanto no Brasil quanto na Alemanha, assim como em outros mercados emergentes", sugere Rogers.

Um dos setores de maior potencial no Brasil é a cannabis para uso veterinário, após a Anvisa autorizar os médicos veterinários a prescrever o uso terapêutico de canabinoides. "Essa é uma área emergente da indústria que poucos mercados globais exploraram, apesar do enorme potencial de lucro. Espera-se que tanto a Alemanha quanto o Brasil se tornem centros internacionais de pesquisa sobre cannabis no futuro", observa Rogers.

 

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ICBC Berlin | Fotografia-Jan Kulke- ICBC-2024-Day

Futuro do setor

 

Nos próximos cinco anos, Rogers projeta um crescimento acelerado da indústria global da cannabis. "Cada mercado legalizado aumenta o impulso para o próximo ser permitido, contribuindo para o efeito bola de neve que já está em andamento", observa. "A cannabis está se tornando mainstream, e essa tendência só aumentará nos próximos anos com comércio mais amplo."

A ICBC Berlin 2025 refletirá esse avanço, com discussões abrangentes sobre os mercados emergentes, incluindo o Brasil. "Esperamos mais de 5.000 participantes de mais de 80 países, incluindo representantes do Brasil", antecipa. "O mercado brasileiro será tema de vários painéis, abordando questões como bancos, pesquisa, desenvolvimento de produtos e mais. Recomenda-se adquirir ingressos antecipadamente, pois o evento pode esgotar rapidamente".

Para Rogers, o momento é de expansão e consolidação do setor. E o que o futuro nos reserva? A resposta está no crescimento inegável da indústria da cannabis.