Governo investe quase R$ 400 mil para analisar impacto de decisão do STF sobre porte de maconha
Estudo vai analisar se a distinção de 40 gramas para usuários reduziu o encarceramento e a desigualdade sociorracial, avaliando os efeitos práticos da nova política de drogas
Publicada em 06/10/2025

O objetivo do estudo é mensurar como a decisão do STF, que estabeleceu o limite de 40 gramas para uso pessoal, alterou as decisões judiciais em casos de apreensão de cannabis. Imagem: Canva Pro
O Ministério da Justiça e Segurança Pública destinará R$ 390 mil, via Fundo Nacional Antidrogas (FUNAD), para uma pesquisa que analisará os efeitos práticos da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre porte de maconha. A iniciativa visa diferenciar usuários de traficantes.
Oficializado nesta sexta-feira (03), o estudo será conduzido pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) e terá vigência até setembro de 2027. O objetivo é mensurar como a decisão do STF, que estabeleceu o limite de 40 gramas para uso pessoal, alterou as decisões judiciais em casos de apreensão de cannabis.
A pesquisa buscará entender se o parâmetro diminuiu a seletividade penal, que historicamente atinge de forma desproporcional pessoas negras e de periferias. A análise comparará dois períodos distintos, de 2022 até meio de 2024 (antes da decisão) e a partir do final de 2024 (após a decisão), focando especificamente no estado do Rio de Janeiro.
O projeto examinará sentenças, prisões em flagrante e negociações processuais para verificar se houve uma mudança real nas dinâmicas de tratamento jurídico ou se critérios subjetivos continuam a perpetuar a desigualdade e a concentração punitiva sobre as mesmas populações.
Para a advogada criminalista Luísa Matias, a aplicação da decisão do STF sobre porte de cannabis ainda enfrenta resistências, o que torna a pesquisa fundamental.
"Indivíduos periféricos, de pele preta ou com antecedentes criminais, por exemplo, enfrentam mais resistência, infelizmente, ainda que a quantidade de entorpecente apreendido seja menor do que os 40g indicados pelo STF", afirma.
Luísa Matias acredita que a pesquisa poderá expor as falhas e guiar melhorias. “O estudo é mais do que pertinente, visto que propiciará uma melhor visão do cenário atual”, avalia.
Segundo ela, os dados coletados podem ser decisivos para o futuro da política de drogas no país. "Creio que permitirá uma melhor identificação dos elementos que têm dificultado ou mesmo impedido a aplicação do entendimento firmado, além de influenciar para um aperfeiçoamento do Tema de um modo geral", complementa.
A advogada ressalta que o parâmetro de 40 gramas não é uma regra absoluta, já que fatores como a presença de balanças ou embalagens podem levar à acusação de tráfico. Para ela, a pesquisa ajudará a “lapidar” a norma.
"Ao apresentar, em dados, o panorama geral de aplicação do entendimento, permitirá uma melhor lapidação a fim de facilitar, como um todo, que o entendimento seja realmente aplicado, desde as autoridades policiais até o judiciário, favorecendo ainda a implementação de outras políticas públicas", conclui.
Contextualizando a decisão do STF
Em junho de 2024, o STF estabeleceu que a posse de até 40 gramas de cannabis ou o cultivo de até seis plantas fêmeas configura, a princípio, uso pessoal. A conduta passa a ser uma infração administrativa, com medidas restritas a advertências e cursos educativos.
Contudo, a regra não é absoluta. A presença de balanças ou embalagens pode levar à acusação de tráfico, mas a autoridade policial deve justificar detalhadamente para afastar a presunção de uso.
A Nova política pública após a decisão do STF
Diante do novo cenário, o Ministério da Justiça e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) constroem uma política pública para regulamentar a aplicação da decisão do STF sobre porte de maconha. O foco é migrar da abordagem criminal para uma perspectiva de cuidado e acesso a serviços de saúde e assistência social.
A proposta prevê que usuários flagrados dentro do limite sejam notificados a comparecer a um Centro de Acesso a Direitos e Inclusão Social (Cais), em vez de serem levados à delegacia.
Revisão de Processos e o Mutirão "Pena Justa"
Paralelamente, o CNJ lançou o "I Mutirão Processual Penal do plano Pena Justa", que revisa condenações antigas por porte de cannabis. A iniciativa busca adequar casos ao novo entendimento, o que pode resultar na extinção de penas e na remoção de antecedentes criminais.
Um relatório com os resultados do mutirão está previsto para outubro de 2025, oferecendo um panorama nacional do impacto da decisão do STF sobre porte de maconha.