Grupo da Unicamp e Conselho de Farmácia sugerem quase 30 alterações na regulação do uso medicinal da cannabis no Brasil

Grupo responde a consulta pública e propõe mudanças incluindo aumento no limite de THC e ampliação da manipulação de canabinoides

Publicada em 27/05/2025

Grupo da Unicamp e Conselho de Farmácia sugerem quase 30 alterações na regulação do uso medicinal da cannabis no Brasil

Evento Unicamp sobre CP 327 Imagem:: divulgação CRF-SP

Especialistas reunidos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com o Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), elaboraram um documento com propostas de mudanças na regulamentação do uso medicinal da cannabis no Brasil. 

O material será enviado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nas próximas semanas, em resposta à consulta pública aberta para revisar a RDC 327/2019.

Entre as quase 30 sugestões, destacam-se a inclusão da definição de produto magistral de cannabis, a ampliação das categorias profissionais autorizadas a prescrever o medicamento e o aumento do limite de THC de 0,2% para 0,3% em prescrições com receita especial.

 

Mais THC, menos tabu: especialistas defendem potencial terapêutico

 

Atualmente, produtos com mais de 0,2% de tetrahidrocanabinol (THC) — principal substância psicoativa da cannabis — só podem ser utilizados em pacientes com doenças terminais ou em cuidados paliativos. Os especialistas, porém, pedem a ampliação da dose e do público-alvo.

“A primeira coisa que é preciso dizer é que o THC é super demonizado”, afirma a colunista do Sechat e professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp, Priscila Mazzola. Segundo ela, o composto tem importante potencial terapêutico e não deve ser visto como “o lado mau” da planta, em contraposição ao canabidiol (CBD), considerado “o lado bom”.

O evento realizado na Unicamp no dia 8 de maio reuniu cientistas, profissionais da saúde, representantes de associações de pacientes, advogados e membros da sociedade civil para discutir as propostas. O encontro foi promovido em parceria com o CRF-SP.

 

Preparação magistral

 

No documento, o grupo manifesta apoio à proposta da Anvisa que contempla a inclusão da atividade de manipulação de preparações magistrais contendo canabidiol (CBD). Atualmente, algumas farmácias de manipulação atuam com produtos de cannabis mediante autorizações provisórias obtidas por via judicial.

A regulamentação definitiva dessa atividade, conforme proposto pela Anvisa, é considerada pelo grupo uma medida essencial para ampliar o acesso, reduzir custos para os pacientes e permitir maior personalização do tratamento.

Outra mudança se refere à prescrição. Hoje, no Brasil, a indicação do medicamento à base de cannabis é prerrogativa exclusiva de médicos.

Os especialistas, no entanto, avaliam que isso pode ser mudado. Uma possibilidade seria incluir, por exemplo, os cirurgiões-dentistas, que também trabalham com dor e com inflamação. A expectativa do grupo é que, dependendo do enquadramento dos medicamentos, seria recomendável expandir a prerrogativa também para outros profissionais.

O grupo defende, ainda, a ampliação da possibilidade de manipulação dos canabinoides. Segundo a professora Priscila Mazzola, há centenas deles, mas apenas dois – CBD e THC – são utilizados. “Há CBG, CBN e uma lista enorme de canabinoides na planta, com potencial terapêutico, que devem ser estudados.

Na verdade, eles estão sendo pesquisados no Brasil e em outros países exatamente porque possuem funções terapêuticas importantes”, argumenta. “E, além dos canabinoides, a planta é muito rica. Contém terpenos, flavonóides, uma série de compostos que também têm um potencial terapêutico importante”, sustenta.

Os especialistas discutiram também a possibilidade de incluir derivados de cannabis em outras categorias de produtos, como suplementos alimentares e cosméticos. Destacaram o papel das ações judiciais e das associações no acesso da população a esses produtos e sugeriram que sejam investigadas potenciais aplicações terapêuticas de canabinoides em combinação com substâncias sintéticas já aprovadas. Caso estudos comprovem eficácia e segurança, essas evidências poderiam embasar futuras alterações regulatórias, diz o documento.

 

Acesso a produtos

 

Hoje, no Brasil, é possível ter acesso a produtos de cannabis para fins medicinais de quatro maneiras, todas elas por meio de prescrição médica.

Um deles é o autocultivo – quando o paciente ou seus cuidadores fazem um curso, passam por uma certificação, entram com uma medida judicial (habeas corpus) e ganham o direito de cultivar e produzir sua própria fonte de medicamento.

A segunda maneira é a importação, que, hoje, segundo os especialistas, conta com um sistema da Anvisa já bastante consolidado. A terceira maneira é comprar o produto de uma drogaria que conte com registros oficiais. A última é o cultivo associativo, em que grupos de pessoas fundam associações de pacientes e, por medidas judiciais, ganham o direito de plantar cannabis no Brasil, produzir os medicamentos e distribuí-los aos seus associados.

Segundo o “Anuário da Cannabis Medicinal no Brasil 2024”, divulgado em novembro de 2024 pela Kaya Mind, o Brasil atingiu a marca de 672 mil pacientes que fazem tratamento à base de cannabis.

Confira 10 das mudanças propostas pelos especialistas e que serão levadas à Anvisa

1. Inclusão da definição de produto magistral de cannabis

2. Alteração das restrições sobre uso de substâncias sintéticas e semissintéticas.

3. Ampliação das vias de administração permitidas.

4. Exclusão da proibição a formulações de liberação modificada, nanotecnológicas e peguilhadas.

5. Ampliação dos profissionais prescritores autorizados.

6. Alteração do limite de THC de 0,2% para 0,3% em prescrições com receita especial.

7. Substituição da Notificação de Receita “A” por “B” para produtos com mais de 0,3% de THC.

8. Inclusão de dispositivo sobre dispensação por associações.

9. Ampliação da possibilidade de manipulação de canabinoides além do CBD.

10. Discussão sobre regulamentação de cannabis como suplemento e cosmético.

 

Com informações de Unicamp