Regulamentação da Cannabis: O prazo acabou. E agora STJ?
Diante do pedido de 180 dias do Governo Federal para adiar a regulamentação da cannabis, especialistas analisam os possíveis cenários no STJ, que vão da concessão do prazo à imposição de multas pelo descumprimento
Publicada em 01/10/2025

Ministra Regina Helena Costa durante Julgamento do IAC 16 - Primeira Seção autoriza importação de sementes e cultivo de cannabis medicinal e dá prazo para regulamentação. Imagem: Emerson Leal/STJ
Matéria atualizada na quinta-feira (02), às 9:45.
O futuro da regulamentação do cultivo de cannabis para fins medicinais no Brasil entrou em um novo compasso de espera. Na terça-feira (30), data limite estipulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Governo Federal solicitou à ministra Regina Helena Costa, relatora do caso, uma prorrogação de 180 dias para publicar a normativa que definirá as regras para o plantio e comercialização da planta no país.
A justificativa para o pedido de adiamento, segundo o Ministério da Saúde (MS) e da Anvisa é a "alta complexidade técnica e regulatória do tema", que exigiria uma reestruturação interna na agência, além da necessidade de uma Análise de Impacto Regulatório (AIR) e de uma consulta pública para garantir a participação social. O novo cronograma proposto estende as etapas até março de 2026.
O plano de ação original, cujo prazo se encerrou, previa etapas cruciais que não foram cumpridas, como a consolidação de contribuições, a análise jurídica da minuta e a aprovação final da portaria. Diante do impasse, a questão que paira é: qual será o próximo passo do STJ? A Corte pode aceitar o pedido, negá-lo ou impor novas condições?
Em nota ao Sechat, o STJ informou que a ministra Regina Helena vai analisar as manifestações das partes e, depois, divulgar sua decisão no Diário da Justiça Eletrônico (DJe). Antes da sua decisão, quatro advogados especialistas no assunto conversam com o Portal para explicar os possíveis cenários.
Cenário 1: A prorrogação do prazo
A tendência, segundo os especialistas, é que o STJ conceda o novo prazo, principalmente por se tratar de uma ação contra a União. O advogado Murilo Nicolau explica que a abordagem do Judiciário tende a ser mais cautelosa. "Como a gente está falando do ente estatal, o judiciário não pode interferir tão frontalmente. Negar o pedido de prorrogação ela sempre poderia, mas como ele está fundamentado, acredito que a Ministra não irá negar", avalia.
O advogado Clayton Medeiros concorda com a premissa e acrescenta que uma regulamentação apressada poderia ser ineficaz. Para ele, a recente mudança na diretoria da Anvisa e o diálogo iniciado com associações de pacientes podem pesar a favor da concessão. "Mantendo a harmonia dos poderes, a tendência é que se tenha mais prazo. Até porque, se a regulamentação vier agora, vai deixar de atender diretamente os interesses dos pacientes. Não adianta cumprir o prazo estipulado, ensaiar a minuta e alterar o ato normativo daqui a seis meses", pontua.
Cenário 2: Recusa ou imposição de novas regras
Apesar da provável concessão, o STJ tem ferramentas para endurecer as condições. A advogada Juliana Gomes destaca que o histórico de descumprimento por parte do governo enfraquece sua posição. "O descumprimento de etapas cruciais do plano anterior enfraquece significativamente a credibilidade do novo cronograma, embora não impeça a concessão de uma nova oportunidade", afirma.
Segundo ela, a Corte pode agir para garantir que a decisão seja cumprida. "O Superior Tribunal de Justiça tem competência constitucional para preservar sua autoridade. Na prática, isso significa que o STJ pode conceder a prorrogação, mas impondo condições mais rígidas, como a fixação de um cronograma com prazos menores, a aplicação de multas diárias em caso de novo descumprimento e a exigência de relatórios periódicos", explica Gomes.
A advogada Bianca Uequed detalha as consequências de uma possível recusa. "No caso de indeferimento do pedido, o que pode acontecer são medidas coercitivas, com a aplicação de multa e, inclusive, a responsabilização dos agentes pelo não cumprimento da determinação judicial", ressalta. Ela também levanta a possibilidade de o STJ deferir um prazo mais curto que os 180 dias solicitados, como um meio-termo.
A complexidade alegada e o impacto nos pacientes
Um ponto central no pedido do governo é a necessidade de uma normativa mais abrangente, que inclua, por exemplo, o tetrahidrocanabinol (THC), o que exigiria a revisão de outras normas, como a Portaria 344/98. Para Bianca Uequed, embora o argumento seja válido, ele não apaga os anos de omissão.
"Eles alegam que querem fazer uma normativa mais abrangente. Do ponto de vista da saúde, poderia ser muito importante", pondera Uequed. "Porém, para a questão do THC, temos um impeditivo na Portaria 344 de 98. Ela teria que ser revista, por isso alegam que é um trabalho com muitos agentes", completa.
Enquanto o debate jurídico e administrativo se desenrola, os pacientes continuam em um limbo. O vácuo regulatório força a judicialização e a busca por habeas corpus para o autocultivo. Clayton Medeiros é enfático ao apontar o principal prejudicado: "Quem mais se prejudica são os pacientes, com toda certeza. Por enquanto, nada de novo sob o sol: omissão estatal e pacientes desapontados".
Bianca Uequed finaliza destacando que a omissão prolongada pode configurar um ilícito e gerar o dever de indenizar. "Essa demora injustificada pode ser, sim, entendida em ações judiciais como uma omissão ilícita do Estado. Pacientes que comprovaram o agravamento da saúde decorrente dessa falta de acesso podem ter garantido o direito a indenizações", conclui.



