STJ autoriza cultivo de cânhamo, mas desafios regulatórios ainda precisam ser definidos

Diretor Executivo do ICR e presidente da ANC, Rafael Arcuri analisa o impacto jurídico da decisão e destaca novas oportunidades para o uso do cânhamo além do setor medicinal

Publicada em 12/02/2025

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Imagem Ilustrativa: Canva Pro

A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que autorizou o plantio e cultivo de cânhamo industrial para fins medicinais e farmacêuticos no Brasil, está sendo comemorada por diversos representantes do setor. Em uma análise do atual cenário, o advogado Rafael Arcuri considerou o entendimento do judiciário que estabelece que o cânhamo (com teor de THC inferior a 0,3%) não pode ser enquadrado como substância entorpecente, afastando as restrições da Lei de Drogas e das normas infralegais que proibiam o cultivo da planta no país.  

A decisão também obriga a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a editar, em até seis meses, regras específicas para essa modalidade de produção. Segundo o tribunal, a ausência de normas claras e a confusão entre maconha e cânhamo prejudicavam tanto pacientes quanto empresas, que precisavam importar insumos a custos elevados ou recorrer a decisões judiciais para obter autorização de cultivo.  

 

Impacto regulatório e interpretação jurídica

 

Atual Diretor Executivo do Instituto de Cannabis e Regulação (ICR) e Presidente da Associação Nacional do Cânhamo Industrial (ANC), Arcuri acredita que o ponto central da decisão do STJ ainda não foi amplamente discutido. “A decisão do STJ tem sido muito comentada, mas o ponto principal não tem sido abordado”, afirma. Segundo ele, a leitura superficial do julgamento pode obscurecer a principal mudança jurídica. “O mais importante foram as teses firmadas pelos ministros. Ao definirem que o cânhamo não pode ser considerado proscrito porque ele é inapto à produção de drogas, o STJ retira essa variedade de qualquer proibição”.

Com esse entendimento, a Portaria 344/98 — principal norma da Anvisa que regula substâncias sujeitas a controle especial — não se aplicaria mais ao cânhamo. “Se não existe norma proibindo, os outros usos também são permitidos”, explica Arcuri. Embora a decisão do caso concreto mencione apenas os usos farmacêuticos, ele destaca que “ainda que a decisão no caso concreto mencione apenas os usos farmacêuticos, na prática, o Estado não tem mais uma norma proibindo os demais usos, como alimentos e cosméticos”.

 

Expansão de mercado e novas oportunidades

 

O teor de THC abaixo de 0,3% é o critério determinante para afastar a planta do rol de entorpecentes. Em contrapartida, o cânhamo tem concentrações elevadas de canabidiol (CBD), o que o torna uma opção promissora para o tratamento de diversas condições médicas, como epilepsia e transtornos de ansiedade. “O cânhamo não produz efeitos psicotrópicos, então não faz sentido ser proscrito”, defende Arcuri.

Na prática, a decisão abre caminho para aplicações que vão além do campo medicinal, incluindo alimentos, cosméticos, têxteis, materiais de construção (como o concreto de cânhamo) e outros setores que ainda não eram explorados no país. “Quem quiser empreender com cânhamo precisa entender o que está ou não liberado e até onde pode chegar, porque a decisão do STJ abriu uma grande porta, mas existem normas específicas para esses outros usos”, afirma Arcuri. Nesse contexto, a reflexão é de que a real oportunidade de negócio surge ao se aproveitar a brecha jurídica deixada pela distinção entre maconha e cânhamo, cabendo aos interessados avaliar os limites da atividade comercial a partir do que foi decidido pelo tribunal.