Tribunal decide que cogumelo mágico não é substância narcótica
Decisão pode impactar processos indianos envolvendo psilocibina e ajuda a pensar processos brasileiros
Publicada em 12/02/2025
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Imagem ilustrativa: Canva.
O Tribunal Superior de Kerala determinou que o cogumelo mágico não pode ser classificado como substância narcótica ou psicotrópica sob a Lei de Drogas Narcóticas e Substâncias Psicotrópicas (NDPS). De acordo com o jornal Hindustan Times, a decisão foi tomada durante a análise de um pedido de fiança de um homem preso por posse e transporte de charas, cannabis e 226 gramas de cogumelo mágico.
Para entender a situação jurídica dos cogumelos mágicos no Brasil e no mundo, inclusive nesse caso da Índia, conversamos com
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a Dra. Marcela Sanches, advogada criminalista, sócia da Figueiredo Nemer e Sanches Advocacia Insurgente e integrante da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, a Rede Reforma. Segundo Marcela,
“As convenções das Nações Unidas reconhecem o uso médico para o alívio da dor e do sofrimento, o uso científico, bem como o uso ritualístico religioso”.
Entendimento jurídico sobre a psilocibina
Internacionalmente, a psilocibina e a psilocina foram listadas como drogas da Tabela I sob a Convenção das Nações Unidas sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971. A dra. Marcela comentou que isso “decorre do estigma gerado pela contracultura do fim da década de sessenta”. E esclareceu que, “quando a aplicação da convenção acarreta alguma questão do direito penal, ela deve observar a literalidade, e não há na convenção qualquer menção aos cogumelos em si, apenas às substâncias intrínsecas, além de que há uma margem de discricionariedade para cada país signatário aplicar a convenção”.
No caso indiano, o requerente argumentou que a quantidade de psilocibina presente nos cogumelos não foi quantificada separadamente, o que dificultaria a classificação como substância proibida. O tribunal de Kerala seguiu precedentes estabelecidos pelos tribunais superiores de Karnataka e Madras, afirmando que o cogumelo mágico não pode ser tratado como uma mistura, o que exclui a aplicação das diretrizes sobre quantidades pequenas e comerciais da legislação indiana.
O juiz PV Kunhikrishnan enfatizou que, segundo a interpretação da lei, os cogumelos devem ser considerados fungos e não uma combinação de substâncias controladas. Além disso, destacou-se que a psilocibina, presente no cogumelo psilocybe cubensis, tem teor médio de apenas 1% por grama.
Marcela explicou que “a Lei de Drogas Narcóticas e Substâncias Psicotrópicas (NDPS) indiana está de acordo com a convenção, uma vez que prevê tão somente as substâncias e não os seres vivos que possuem a substância de maneira essencial”.
A decisão pode ter impacto significativo em casos futuros relacionados ao uso e posse de cogumelos contendo psilocibina na Índia. No entanto, a aplicação do veredicto ainda dependerá da interpretação de tribunais em instâncias superiores e possíveis mudanças na legislação vigente.
E no Brasil, como a lei vê os cogumelos?
Perguntada sobre a situação jurídica dos cogumelos no Brasil, a Dra. Marcela afirmou que “a situação regulatória é semelhante, pois a proibição é tão somente das substâncias psilocibina e da psilocina, que são consideradas proscritas na Portaria 344/98 da SVS/MS [Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde]”.
“Os cogumelos denominados psilocibinos não são listados na Lista E, da mesma Portaria, que traz as plantas e fungos proscritos que podem dar origem a substâncias entorpecentes e psicotrópicas”, ela analisa. E expõe uma contradição da conduta brasileira: “embora no Brasil o fungo não seja proibido, e sim as suas substâncias naturalmente intrínsecas, as autoridades insistem em interpretar o fungo como um substrato contendo substâncias proscritas”.
Marcela ainda esclarece que “no Brasil não há jurisprudência sobre o tema, o que há é uma situação nebulosa com casos envolvendo os cogumelos contendo Psilocibina, em que há absolvição e condenação dos acusados de tráfico”.
Já em relação à jurisprudência para uso terapêutico de cogumelos mágicos em solo brasileiro, a Dra. Marcela nos revelou que “aqui também existem alguns Habeas Corpus negados para o uso medicinal desses cogumelos, bem como uma negativa administrativa da Anvisa para o pedido de importação de um kit de microdose para uso medicinal de um paciente”.