O que há por trás das drogas recreativas mais usadas na Espanha

Novo relatório da Energy Control analisa quase 17 mil amostras de drogas recreativas na Espanha e alerta para tendências de alta pureza e composição instável que preocupam especialistas em redução de danos

Publicada em 15/07/2025

 O que há por trás das drogas recreativas mais usadas na Espanha

Alta pureza, baixa segurança: os alertas de um novo relatório sobre drogas na Europa | CanvaPro

A cena é repetida: luzes pulsantes, corpos em movimento, sorrisos dilatados. No coração da noite, em meio à promessa de prazer e liberdade, algo mais se esconde, invisível, mas potente. 

É nesse universo que a organização Energy Control, da Espanha, mergulhou ao analisar mais de 16 mil amostras de MDMA, cocaína e tusi (ou tusibí, também conhecida como "cocaína rosa") entre 2017 e 2024. O que se revelou é mais do que uma lista técnica de substâncias: é um retrato de um tempo em que o hedonismo convive com o risco, muitas vezes sem que os próprios usuários saibam exatamente o que consomem.


O terceiro relatório da série traz dados que podem parecer distantes em um primeiro olhar, mas que tocam de perto quem está nas pistas, nas ruas ou em busca de alívio em alguma festa. Com um tom sensível e orientado à redução de danos, o estudo alerta: a pureza aumentou, a previsibilidade diminuiu, e a informação continua sendo a principal aliada de quem não quer se machucar.


MDMA: prazer em alta voltagem


Entre os dados mais marcantes está a pureza do MDMA. A substância, muito comum em festas e festivais, manteve níveis elevados de concentração, especialmente em sua forma cristalina, uma média de 82%. Mas o que acendeu o alerta foi a concentração encontrada em comprimidos: em 2024, 72,5% continham mais de 150 mg da substância, uma quantidade considerada alta pela Trans-European Drug Information (TEDI).


Embora a adulteração geral ainda seja considerada baixa, o estudo identificou um crescimento no uso de catinonas sintéticas como adulterantes, substâncias que podem provocar efeitos mais imprevisíveis e arriscados. O dado reforça uma contradição cada vez mais presente: ainda que as drogas estejam mais "puras", isso não significa que estejam mais seguras.


Cocaína: o retorno de um velho conhecido


No caso da cocaína, a pureza também segue em escalada. Desde 2014, a substância vem apresentando aumento constante, alcançando em 2024 os maiores índices já registrados pelo Energy Control. Ao mesmo tempo, a quantidade de amostras adulteradas caiu, mas isso não significa ausência de risco.


Substâncias como cafeína, fenacetina (um analgésico proibido em diversos países) e levamisol (usado como antiparasitário veterinário) ainda são usadas para “reforçar” ou manipular o produto. A prática pode agravar efeitos colaterais e riscos à saúde, sobretudo quando combinada à falta de conhecimento sobre a real composição do que se consome.


Tusi: a mistura camaleônica que engana pelo nome


Talvez o cenário mais inquietante seja o da tusi, apelidada erroneamente de “cocaína rosa”. A expressão, rejeitada pelo próprio relatório, mascara a realidade: não se trata de cocaína, mas de uma mistura volátil, muitas vezes sem qualquer traço da substância original.


Entre 2020 e 2024, o que se viu foi uma oscilação intensa na composição: MDMA, cafeína e cetamina aparecem com frequência, com destaque para essa última. Em 2024, a média de concentração de cetamina chegou a 48,3%, o que acende alertas sobre riscos como dissociação, desorientação e até mesmo episódios psicóticos. A tusi, portanto, representa uma espécie de roleta química, onde cada dose pode ser uma surpresa, nem sempre agradável, nem sempre segura.


O papel da informação em tempos de incerteza


Para além dos números e das substâncias, o relatório da Energy Control reforça um princípio fundamental: a informação salva vidas. O monitoramento contínuo, aliado ao aconselhamento direto com usuários, é uma das estratégias mais eficazes para a redução de danos em contextos de uso recreativo.


A iniciativa, apoiada parcialmente pelo Plano Nacional de Drogas da Espanha, serve de exemplo para outros países, inclusive o Brasil, sobre a importância de olhar para o consumo de substâncias com responsabilidade, empatia e realismo. Fingir que o uso não existe apenas afasta os usuários de espaços seguros. O caminho mais eficaz passa pelo acesso a dados confiáveis, testagens acessíveis e políticas que cuidem, em vez de punir.
 

Com informações de Cañamo. 

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