“Acordar sem dor é a melhor coisa do mundo”, diz paciente

Waleska L. da Silva, que convive com distrofia muscular de cintura, conta em entrevista exclusiva ao portal Sechat que ainda hoje mal consegue acreditar em tamanha evolução

Publicada em 03/11/2022

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Por João R. Negromonte

Moradora de Nova Brasília, no complexo do alemão (RJ), Waleska L. Silva (32), é portadora de distrofia muscular de cintura e revela, em entrevista, que após o uso medicinal da cannabis sua vida mudou completamente.

“A primeira vez que fiz o uso do óleo, foi o dia mais feliz da minha vida pois vi uma esperança no fim do túnel”, conta a paciente que ressalta: “o produto chegou quando eu mais precisei (psicologicamente e fisicamente), uma mistura de emoções, fiquei muito ansiosa e com bastante esperança. Hoje, quatro meses após iniciar o tratamento canábico, ainda fico desacreditada com minha evolução”. 

“Acordar sem dor é a melhor coisa do mundo”, destaca Waleska ao ressaltar como seu bem-estar e qualidade de vida melhoraram significativamente ao ser apresentada a terapia canabinoide.

Waleska L. Silva, paciente de cannabis
(Imagem: arquivo pessoal)

A descoberta

A social media de profissão, conta que os primeiros sintomas da doença começaram em 2013, logo após o nascimento de seu filho Rafael, nove anos atrás. Waleska, que é mãe solteira, diz que de uma hora para outra começou sentir um peso nas pernas que interferia diretamente em suas rotinas diárias. “Sentia minhas pernas pesadas, dores na lombar e uma fraqueza incontrolável. De repente comecei a cair na rua, foi quando percebi que tinha alguma coisa errada comigo, procurei um médico e o mesmo falou que não era nada”. 

Entretanto, a paciente revela saber que havia algo errado e resolve procurar outros profissionais de saúde. “Com o passar do tempo, a dor só piorava, então busquei por outros médicos, mas sem muito resultado. Foi quando em 2016, parei de andar completamente e me vi em uma cadeira de rodas”, destaca ela que continua: “fui para o hospital público aqui da cidade, quando cheguei, o médico que iria me atender já tinha se demonstrado inclinado a me dispensar mais uma vez. Mas quando menos esperava chegou outro médico, que se interessou pela minha história e me perguntou o que estava acontecendo”.

Ao contar sua história para o profissional de saúde, ele se prontificou a ajudá-la, abrindo um novo prontuário e solicitando alguns exames. “Foi o início de um drama em minha vida”, contou Waleska, que por meio de uma biópsia no braço e na coxa,  diagnosticaram uma distrofia muscular de cintura.

A doença, caracterizada por uma degeneração muscular e fraqueza, tem origem genética e apresenta caráter progressivo, podendo acometer indivíduos de ambos os sexos. Normalmente, se manifesta na infância, mas também afeta pessoas na idade adulta. Este tipo de distrofia, atinge predominantemente a região pélvica (coxas e quadris) e, ao decorrer de sua evolução, pode comprometer  também a região escapular (ombros e braços). 

Representação da degeneração muscular
(Imagem: Reprodução/Cuidatusaludcondiane)

“Sem medicação, o único remédio era fazer fisioterapia. Fiquei muito abalada e, por mais que estivesse procurando um diagnóstico, não estava preparada para receber uma resposta tão grave, chorei muito na época”, explicou a paciente.

A partir daí, Waleska começou fazer fisioterapia e trabalhar o lado psicológico para enfrentar a patologia, sempre contando com o apoio de amigos e familiares. Relembrar uma frase do médico que doeu na alma: “Waleska você é nova, bonita, queria muito te dar uma notícia boa, mas sua doença não tem cura e da cadeira de rodas, daqui a algum tempo, você vai para a cama, então aproveita bastante seu tempo”.

A notícia atingiu a paciente como uma bomba mas, ela  não iria ser vencida tão facilmente. Waleska procurou todas as alternativas possíveis para que o tratamento fosse o mais eficaz, visando aumentar as chances dela ter uma vida, de certo modo, normal. 

“Faço fisioterapia quatro vezes por semana, intercaladas por  sessões de musculação e as atividades fisioterápicas”, explicou. Hoje, ela trabalha como social  media no Núcleo de Estimulação Estrela de Maria (NEEM/RJ), responsável por orientar Waleska sobre o tratamento com o óleo à base de cannabis. 

A luz no fim do túnel

A alternativa fitoterápica apareceu quando sua amiga, Rafaela França, idealizadora e fundadora do NEEM, apresentou óleo medicinal da cannabis. “A Rafaela começou a fazer o tratamento na filha, Maria, que convive com autismo, e me falou sobre os benefícios da planta. Como para o meu diagnóstico não tem medicamento, decidi experimentar o óleo de cannabis para alívio da dor”, conta Waleska.

Assim, ao ver que talvez a nova alternativa poderia lhe ajudar, buscou a médica prescritora especialista em medicina integrativa, Dra. Jéssica Tilli Marques, que lhe conseguiu uma receita para utilizar os compostos da cannabis, lembrando que a mesma fazia o uso de medicamentos como fluoxetina e clonazepam, únicos remédios prescritos para o controle da doença.

“Ao fazer o uso do óleo mudei meu jeito de pensar sobre mim mesma, comecei a querer viver, ser útil na sociedade, a fazer cursos - sonho que havia se perdido - a sair mais de casa, a ir a academia, enfim, minha vida mudou completamente, e para melhor”.

Ao ser questionada se já sofreu algum tipo de preconceito por utilizar os derivados da cannabis, Waleska responde: “ Nunca sofri descriminação por utilizar esse medicamento, mas existe preconceito, porque ninguém fala dos benefícios e sim da planta como droga. Isso demonstra uma falta de conhecimento da população, carência essa que é a todo momento é compactuada pelo governo”. 

Contudo, o diálogo sobre o tema com a população de forma aberta e sem preconceitos, pode ser a chave para que milhares de pessoas sejam beneficiadas com esta terapia, destacou ela ao reforçar a importância de se oferecer qualidade de vida, saúde e bem-estar a todos que necessitam. “Ninguém nesse mundo merece sentir dor 24 horas, sendo que existe um medicamento que pode ajudar. É preciso acabar com a falta conhecimento”, afirmou. 

“Tenho a imensa sorte de ter conhecido a Rafaela, coordenadora do núcleo estrela de Maria (NEEM) pois, se não fosse pessoas como ela, eu não teria condições psicológicas e financeira pra fazer meu tratamento”, enfatizou a ao falar sobre o projeto no Complexo do Alemão, em parceria com a Fundação Redwood, que leva assistência médica, jurídica e acessibilidade aos produtos de cannabis à população de baixa renda. 

Confira aqui entrevista completa com representantes do projeto e conheça mais sobre essa causa:

https://www.youtube.com/watch?v=kPc_ZEi6wcU
Lúcia Cabral, Rafaela França e Manu Melo Franco em entrevista ao portal Sechat

Estudo sobre o benefício da cannabis contra a distrofia muscular de cintura 

Um artigo publicado em 2018 pela conceituada revista científica Nature demonstrou que deficiências no Sistema Endocanabinoide (SEC), podem representar importantes fatores que influenciam diretamente no desenvolvimento de doenças musculares degenerativas. 

Por isso, medicamentos à base de Cannabis são alvos em potencial para o tratamento de enfermidades  associadas a essas deficiências, como a distrofia muscular de cintura, por exemplo.

Por fim, além de tratar a doença em seu nível fisiológico, há também que considerar a qualidade de vida da pessoa. Muitas vezes, medicamentos convencionais podem causar efeitos adversos desconfortáveis; nesse contexto, os fitocanabinoides servem como alternativas para alívio da dor.