Sistema Endocanabinoide e Esquizofrenia
Em um novo artigo, o colunista Wilson Lessa trata do funcionamento do Sistema Endocanabinoide e sua relação no tratamento de quadros de esquizofrenia, visando uma ação antipsicótica, principalmente por meio do uso do Canabidiol (CBD)
Publicada em 09/03/2021
Coluna de Wilson Lessa*
A esquizofrenia é um transtorno mental grave, crônico e debilitante que afeta cerca de um por cento da população. Os sintomas são subdivididos em três tipos: sintomas positivos, que incluem delírios (alteração do juízo crítico da realidade), alucinações (alteração da sensopercepção), alterações na motricidade (agitação ou catatonia) e pensamento desorganizado; sintomas negativos, que incluem o embotamento afetivo (diminuição da expressão emocional), isolamento social e anedonia (falta de prazer com as atividades diárias); e os sintomas cognitivos, tais como prejuízo atencional e de memória, déficit do funcionamento executivo e dificuldades na tomada de decisões.
Aqui, vamos falar um pouco sobre como o sistema endocanabinoide (SEC) reage durante o aparecimento de um quadro de esquizofrenia, na tentativa de modular e tamponar o quadro clínico, e de como os fitocanabinoides, principalmente o Canabidiol (CBD), pode exercer uma potente ação antipsicótica.
Quando se discute os riscos do uso da Maconha, o desencadeamento de psicose talvez seja um dos mais conhecidos e alardeados. Mas não é o foco desse texto. Aqui, vamos falar um pouco sobre como o sistema endocanabinoide (SEC) reage durante o aparecimento de um quadro de esquizofrenia, na tentativa de modular e tamponar o quadro clínico, e de como os fitocanabinoides, principalmente o Canabidiol (CBD), pode exercer uma potente ação antipsicótica.
Diversas observações indicam que o SEC adapta-se em resposta às eventuais anomalias na neurotransmissão e que tem um efeito protetor quanto ao desenvolvimento da psicose esquizofrênica (Leweke, 2012). Os componentes mais investigados do SEC incluem os endocanabinoides Anandamida (AEA) e o 2-AG, suas enzimas de síntese e degradação, assim como os receptores canabinoides 1 e 2 (CB1 e CB2).
Indivíduos com quadros ditos prodrômicos (sintomas que precedem a manifestação clínica franca), mostraram níveis elevados de AEA no Líquor e aqueles como níveis maiores de AEA demonstraram um risco mais baixo para uma psicose aguda (Koethe et. Al, 2009).
Pacientes em um primeiro episódio psicótico agudo, que ainda não tinham tomado nenhum medicamento, também mostraram níveis maiores de AEA no Líquor comparado à controles saudáveis. E foi inversamente correlacionado com a expressão de sintomas psicóticos – maior nível de AEA, menos sintomas psicóticos (Giuffrida et a., 2004).
Já existe evidência de que um dos principais mecanismos da ação antipsicótica do CBD é sobre a inibição da degradação da Anandamida (AEA), através da inibição da enzima que a degrada, a FAAH (hidrolase da amida de ácido graxo) (McKinney e Cravatt, 2005).
Já existe evidência de que um dos principais mecanismos da ação antipsicótica do CBD é sobre a inibição da degradação da Anandamida (AEA), através da inibição da enzima que a degrada, a FAAH (hidrolase da amida de ácido graxo) (McKinney e Cravatt, 2005).
Ainda em 1982, antes mesmo da descoberta dos receptores canabinoides, Antonio Zuardi e colaboradores publicavam no Brasil um estudo ousado em que demonstraram que o CBD diminui os eventuais efeitos ansiogênicos (criar ansiedade) e psicóticos (criar psicose) do Delta9-THC. Em 1995, a mesma equipe de pesquisadores publicou um relato de caso de uma paciente de 19 anos, com diagnóstico de esquizofrenia, que teve resposta terapêutica a um antipsicótico tradicional (haloperidol), mas que devido aos excessivos efeitos colaterais teve que ser suspenso, foi substituído por CBD purificado, até 1500 mg/dia, permaneceu em remissão sintomática e sem os efeitos adversos anteriores.
O primeiro estudo duplo-cego, randomizado e controlado sobre os efeitos antipsicóticos do CBD foi publicado em 2012 pelo psiquiatra e pesquisador alemão Markus Leweke e colaboradores. Nesse estudo, a eficácia do CBD foi comparada à da Amisulpirida, mas o CBD teve um perfil de efeitos colaterais comparados ao do grupo placebo (Leweke et al., 2012).
O primeiro estudo duplo-cego, randomizado e controlado sobre os efeitos antipsicóticos do CBD foi publicado em 2012 pelo psiquiatra e pesquisador alemão Markus Leweke e colaboradores. Nesse estudo, a eficácia do CBD foi comparada à da Amisulpirida, mas o CBD teve um perfil de efeitos colaterais comparados ao do grupo placebo (Leweke et al., 2012).
Com tantas informações novas, surge uma indagação: como podemos discutir psicose e Cannabis sem ao menos conhecer o funcionamento do Sistema Endocanabinoide? É para sanar este hiato da formação médica e da área da saúde em geral que está sendo elaborado um Tratado de Cannabis Medicinal: fundamentos para a prática clínica, em português (a ser lançado no primeiro semestre de 2021), com mais de cem profissionais, de diversas áreas do conhecimento. Neste tratado, tive a oportunidade de escrever um capítulo sobre o sistema endocanabinoide e esquizofrenia, onde aprofundo mais no tema, incluindo um caso clínico de refratariedade.
*Wilson Lessa é Médico Psiquiatra, Psiquiatra Forense, professor da faculdade de Medicina da UFRR (Universidade Federal de Roraima) e colunista do Sechat
As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.
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