A Cannabis no controle da fibromialgia

Em sua nova coluna para o Sechat, o médico Ricardo Ferreira trata do uso da Cannabis para a fibromialgia, doença ainda sem causa aparente e, segundo ele, muitas vezes negligenciada pelos próprios médicos

Publicada em 20/05/2021

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Coluna de Ricardo Ferreira*

Para mim a fibromialgia é uma das doenças mais menosprezadas e negligenciadas da medicina. Até hoje não é raro encontrar médicos que duvidem da existência desta doença. Muitos alegam que a fibromialgia não é uma doença e sim a manifestação dolorosa de uma alteração psíquica, ou seja, afirmam que ela é um sintoma e não uma patologia.

Não dando bola se os médicos que acreditam ou não nela, a danada da fibromialgia continua por aí causando enorme sofrimento e limitações em muitas pessoas que a carregam.

Os que duvidam da sua existência alegam que não existem alterações físicas ou metabólicas que justifiquem este diagnóstico. Entretanto, será que estas alterações realmente não existem ,ou a culpa está no nosso atual conhecimento científico que ainda não foi capaz de encontrar sua causa?

Apesar de ninguém ter batido o martelo sobre a causa da fibromialgia, algumas alterações já foram documentadas em estudos científicos. Dentre as principais podemos destacar: Deficiências hormonais de GH (hormônio do crescimento) e IGF-1 (fator de crescimento semelhante à insulina), aumento da sensibilidade da região posterior da medula, diminuição de suprimento sanguíneo no tálamo, aumento da produção e liberação de neurotransmissores responsáveis pela condução dos impulsos neurológicos dolorosos.

Após o recente descobrimento do sistema endocanabinoide e seu mecanismo de ação no controle e ajuste de diversas funções no organismo, uma nova teoria relacionando a deficiência numérica ou qualitativa destes endocanabinoides (neurotransmissores produzidos pelo corpo humano quimicamente parecidos com os componentes presentes na planta cannabis) passou a entrar em cena como uma razoável explicação de causa dos sintomas da fibromialgia. E esta deficiência pode estar por trás de todas as alterações metabólicas listadas no parágrafo anterior e mais algumas coisas.   

Os sintomas da fibromialgia são variáveis em quantidade e intensidade. Podemos dizer que o principal sintoma dela é dor em todas, ou pelo menos na maioria das cadeias musculares

Os sintomas da fibromialgia são variáveis em quantidade e intensidade. Podemos dizer que o principal sintoma dela é dor em todas, ou pelo menos na maioria das cadeias musculares. Esta dor tem como característica ser tremendamente agravada a compressão leve; aquela tão leve que não deveria causar dor em ninguém.

Além da dor, uma grande variedade de sintomas já foram relacionados com a fibromialgia, sendo os mais frequentes: fadiga, depressão, ansiedade, tristeza, alterações no padrão de sono, dor de cabeça, ganho de peso, diminuição da libido, disfunções intestinais e urinárias.

Seus sintomas costumam aparecer em pessoas entre 30 e 50 anos, e sua frequência é muito maior em mulheres, bem próximo de ser definida como uma doença exclusivamente feminina. Após uma rápida progressão estes sintomas entram em um plateau de intensidade levando quem tem esta doença a acreditar que este é seu novo normal por toda a vida.

Atualmente a fibromialgia é um diagnóstico de exclusão, ou seja, uma pessoa que apresente estes sintomas só deverá receber o diagnóstico de fibromialgia uma vez que outras possíveis causas sejam devidamente investigadas e descartadas.

Apesar da inexistência de medicamentos específicos para fibromialgia muitas pacientes observam alguma melhora dos seus sintomas com a utilização de medicamentos tradicionalmente prescritos para dores crônicas. Entram nesta lista antidepressivos, analgésicos, relaxantes musculares e gabapentinoides. Entretanto, uma parcela considerável das portadoras de fibromialgia não consegue perceber benefícios com estes medicamentos. Além disso, muitas não toleram seus efeitos colaterais e são obrigadas a descontinuar, apesar de alguma melhora dos sintomas.

Com a entrada dos derivados da cannabis na nossa prática médica, uma nova esperança apareceu para estas pacientes. Percebemos ser cada vez maior o número de pessoas com fibromialgia que estão utilizando e obtendo sucesso com canabinoides.

Com a popularização das redes sociais estas pessoas têm feito relatos sobre os efeitos benéficos da planta em suas vidas.

Com a popularização das redes sociais estas pessoas têm feito relatos sobre os efeitos benéficos da planta em suas vidas. Nestas postagens elas não apenas falam sobre a redução da dor, mas também exaltam aumento da capacidade para realização de atividades cotidianas em função da minimização dos outros sintomas relacionados com a fibromialgia.

Estas postagens são como uma bola de neve: motivam mais e mais portadores de fibromialgia e outras dores crônicas a procurarem acesso à cannabis como meio de acabar com seu sofrimento. Os médicos já estão percebendo esta nova demanda nos seus consultórios.

Este sucesso e aumento de demanda tem fundamentação científica. Artigos publicados nos últimos anos em revistas médicas internacionais tradicionais como o JCR (Journal of Clinical Rheumatology) trazem estudos que mostram efeitos positivos para a maioria das pacientes diagnosticadas com fibromialgia, além de leves e poucos frequentes efeitos colaterais.

A elevada taxa de sucesso no controle dos sintomas da fibromialgia após a utilização de canabinoides (THC, CBD e outros) reforça a teoria que esta doença ocorre em função da deficiência de canabinoides produzidos pelo corpo humano (anandamida e 2-AG). Os canabinoides da planta atuam simulando a ação dos canabinoides humanos, e diminuindo a ação da enzima que os consome (FAAH).

Na prática o que vemos é isso, aquelas que em um passado recente eram consideradas as pacientes mais difíceis e com maior probabilidade de decepção com tratamento, agora se transformaram nas nossas clientes com maior chance de sucesso, alegrias e mudança de rumo na vida.  

*Ricardo Ferreira é médico especialista no tratamento de doenças da coluna vertebral e controle da dor e colunista do Sechat.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.

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