Por Mario Grieco*
“Quem fuma Cannabis hoje, amanhã usará cocaína”. Essa afirmação é totalmente desconectada da realidade, mas trata-se de um dos mitos mais populares do mundo em relação às drogas. A verdade é que a maioria dos usuários de Cannabis nunca experimentou e nem vai experimentar drogas mais perigosas, pois, os motivos pelos quais estas drogas são utilizadas são completamente diferentes aos da Cannabis, a qual é um relaxante, enquanto que a cocaína, por exemplo, é um estimulante, tendo efeitos totalmente opostos.
Segundo estudos clínicos realizados ao longo dos anos, a grande maioria dos usuários de Cannabis não se tornou dependente e nem migrou para drogas mais pesadas. Outro dado importante é que a maioria dos usuários abandonou espontaneamente o uso da Cannabis, sem a necessidade de nenhum tipo de tratamento (Yu, 1992) ¹, e a maioria a consome só de vez em quando e 90% acabam por abandoná-la um dia sem se tornarem dependentes.
Além disso, sabe-se que única substância que pode ser considerada porta de entrada para outras drogas categoricamente é o álcool. Em média, 3 milhões de pessoas morrem no mundo por ano com problemas relacionados ao álcool. Raramente alguém usa cocaína pela primeira vez sem ter provado alguma bebida alcoólica ou um cigarro de tabaco (Organização Mundial da Saúde, 2018) ².
O fato realmente interessante que podemos tratar aqui é que médicos vêm testando com sucesso o uso da Cannabis Medicinal justamente como uma “porta de saída” para drogas realmente perigosas e letais.
O psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira da Unifesp, em 1997, incentivou dependentes de crack a usarem Cannabis como parte de um programa para livrá-los do vício. O resultado foi surpreendente: cerca de 70% abandonaram o crack e depois pararam espontaneamente com a Cannabis. A Cannabis estimula o apetite e reduz a ansiedade, dois problemas sérios para os viciados em drogas ³.
Ainda assim, um estudo recente realizado com 350 usuários de Cannabis Medicinal na Califórnia constatou que 40% dos indivíduos usavam a Cannabis como substituto do álcool, 26% como substituto de drogas ilícitas e 65,8% como substituto de medicamentos prescritos (Reiman, 2009) 4. Sempre que uma pessoa possa substituir uma droga perigosa por uma substância mais segura como a maconha, podemos pensar que ela está na “direção correta”.
Já nos EUA, pesquisas revelam que apenas um em cada cem usuários de Cannabis também utiliza cocaína de forma frequente. Uma nova clínica em Los Angeles, batizada de High Sobriety 5, incentiva o uso da Cannabis Medicinal como substituto para drogas perigosas, como a cocaína e a heroína.
Sem contar que um estudo publicado na Revista Clinical Psychology Review 6 mostra que a Cannabis ajuda as pessoas a largarem o álcool e outras substâncias mais nocivas como os medicamentos analgésicos com alta capacidade de dependência.
O mesmo estudo aponta, inclusive, para evidências de que a Cannabis pode ajudar no combate da depressão, estresse pós-traumático e ansiedade.
A redução do uso de medicamentos à base opioides também foi apontado como um dos benefícios da Cannabis, de acordo com um estudo realizado na Universidade da Columbia Britânica 7.
Heroína, cocaína e anfetamina são drogas que possuem uma dosagem letal, ou seja, podem levar a óbito se utilizadas em quantidades acima do que o organismo suporta. O mesmo não pode ser dito sobre a Cannabis, uma vez que não há evidências clínicas de que haja uma dose letal do uso da Cannabis e se ela existe, teria que ser forçada a uma pessoa além das capacidades físicas do ser humano, ou seja, seria preciso a ingestão de toneladas de Cannabis para se obter o resultado letal.
Portanto, pode se dizer que a teoria de que a Cannabis seria a porta de entrada não é nem uma teoria, mas sim um grande mito. Não existe nada na Cannabis que desperte o interesse por outras drogas, é o tipo de conexão tão absurda como afirmar que pessoas que andam de bicicleta vão despertar um desejo incontrolável por andar de motocicleta.
*Mario Grieco é pós-graduado em medicina com MBA pela Universidade da Flórida (EUA). Com mais de 35 anos de carreira na indústria farmacêutica, foi presidente de empresas como Bristol Myers-Squibb, Bayer, Moksha8 e também do CEO da Monsanto no Brasil. Mario Grieco foi um dos primeiros executivos brasileiros a atuar no setor de Cannabis Medicinal, sendo diretor executivo para Brasil e América Latina da Fluent Cannabis Care. Grieco atua ainda como médico, pesquisador e autor sobre o tema.
1 –https://www.researchgate.net/publication/21708683_The_Age_of_Alcohol_Onset_and_Alcohol_Cigarette_and_Marijuana_Use_Patterns_An_Analysis_of_Drug_Use_Progression_of_Young_Adults_in_New_York_State
2 – https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/alcohol
3 – https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff200401.htm
4 – https://harmreductionjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/1477-7517-6-35
5 – https://highsobriety.com/
6 – https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0272735816300939?via%3Dihub
7 – https://www.sciencedaily.com/releases/2016/11/161116102847.htm