Mais de 20 farmácias entraram na justiça para produzir remédios à base de Cannabis

Para advogado, negativas nas decisões estão relacionadas à dificuldade dos juízes em enxergarem a Cannabis como medicamento

Publicada em 24/08/2020

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Charles Vilela

O advogado Flávio Mendes Benincasa, especialista em direito sanitário e farmacêutico, tem somente sob sua tutela pelo menos 20 ações de farmácias com manipulação de todo o país que pleiteiam um pedido semelhante. As empresas desejam obter liminares para produzirem e comercializarem produtos à base de Cannabis. “Creio que as negativas nas decisões estão mais relacionadas à dificuldade dos juízes em enxergarem a Cannabis como medicamento”, diz.

No dia 12 ocorreu o primeiro julgamento de um desses processos, cada vez mais comuns no escritório de Flávio. A concessão liminar solicitada por uma farmácia com manipulação com sede em Campinas (SP), que pretendia desenvolver fórmulas com derivados ou fitofármacos à base de Cannabis sativa, foi negada pela relatora do caso na 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), a desembargadora Daniele Maranhão. 

Negativa foi para liminar; mérito não foi julgado e ação segue em primeira instância

Contudo, a decisão do Tribunal referiu-se apenas agravo de instrumento - recurso contra a decisão de 1ª grau, que já havia negado a antecipação da decisão em caráter de urgência -, não tendo relação com o julgamento do mérito, sendo que o processo agora segue sua tramitação normal em 1ª instância.

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Segundo o advogado, o objetivo do empresário proprietário da farmácia com manipulação no ingresso da ação seria obter autorização para ampliar o portfólio de produtos e serviços e não perder espaço comercial para as farmácias sem manipulação e drogarias. Não havia intenção de iniciar imediatamente a manipulação de produtos à base de Cannabis. A prioridade, num primeiro momento, seria apenas a comercialização de produtos industrializados. “Ele queria atuar somente com comercialização, até porque, no momento, não há matéria-prima no mercado”, disse. “Talvez essa matéria-prima comece a estar disponível para a manipulação se for alterada essa redução (RDC 327) ou que passem a acontecer decisões favoráveis (no Judiciário) ao tema.”

Advogado aponta falta de coerência em dois artigos da RDC 327

O advogado lembra que a Lei 13.021/2014, que conceitua farmácia sem manipulação ou drogaria - que só podem vender os medicamentos ou correlatos nas embalagens originais -, as categoriza do mesmo modo. Já em relação à farmácia com manipulação, a lei prevê que além da venda dos medicamentos ou correlatos nas embalagens originais, o estabelecimento está apto a realizar a manipulação de produtos.  

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Para ele, com base na Lei 13.021/2014, dois artigos da RDC 327/219 seriam ilegais. O primeiro é o 15º, que vedada a manipulação de fórmulas magistrais contendo derivados ou fitofármacos à base de Cannabis. “Talvez essa a parte se trate de uma proteção à indústria farmacêutica, porque o medicamento manipulado é sempre mais barato para a população do que o produto industrializado”, aponta. 

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O advogado considera o artigo 53 ainda mais grave. A norma estabelece que “os produtos de Cannabis devem ser dispensados exclusivamente por farmácias sem manipulação ou drogarias, mediante apresentação de prescrição por profissional médico, legalmente habilitado.” Flávio diz não compreender qual seria o fundamento dessa proibição, já que a farmácia com manipulação tem a obrigatoriedade da presença do farmacêutico durante todo o horário de funcionamento, assim como na farmácia sem manipulação. “Todas as exigências às farmácias com manipulação são exatamente as mesmas das farmácias sem manipulação. A única diferença entre os dois perfis é que a farmácia de manipulação vende e produz no mesmo local”, argumenta. 

O que diz o artigo 3º da Lei 13.021/2014

Farmácia sem manipulação ou drogaria - estabelecimento de dispensação e comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos em suas embalagens originais. 

Farmácia com manipulação - estabelecimento de manipulação de fórmulas magistrais e oficinais, de comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, compreendendo o de dispensação e o de atendimento privativo de unidade hospitalar ou de qualquer outra equivalente de assistência médica.

O caso 

A negativa do acolhimento de liminar em 2ª instância foi proferida pela 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que manteve a decisão de 1ª instância que já havia indeferido a antecipação. A farmácia pleiteava a declaração de ilegalidade dos artigos 15 e 53 da normatização. Contudo, as regras vedam a manipulação de fórmulas contendo derivados ou fitofármacos à base de Cannabis e estabelecem que os produtos de Cannabis devem ser dispensados exclusivamente por farmácias sem manipulação ou drogarias mediante apresentação de prescrição por profissional médico legalmente habilitado.

A empresa deseja obter autorização para dispensar os produtos tratados na RDC 327/2019, norma da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que trata de medicamentos industrializados ou manipulados. Solicita, também, licença para manipular os produtos com ativos vegetais ou fitofármacos da Cannabis sativa.