Associações fortalecem o acolhimento e criam espaços integrativos para cuidar do corpo, mente e afeto

Espaços que são verdadeiros refúgios de cuidado para pacientes canábicos surgem oferecendo imersões com terapias integrativas, conexão com a natureza, animais, vantagens e descontos e rodas de escuta acolhedora

Publicada em 28/04/2025

Associações fortalecem o acolhimento e criam espaços integrativos para cuidar do corpo, mente e afeto

Pacientes se reunem semanalmente para interagirem e se conectarem (Foto: Divulgação)

Existe um tipo de cuidado que não se aprende na teoria. Ele floresce no abraço, na partilha da dor e no silêncio respeitoso de quem sabe ouvir. É nesse terreno fértil, regado pela empatia e iluminado pelo acolhimento, que germina o Clube do Paciente, uma iniciativa de algumas associações canábicas brasileiras que têm ressignificado a jornada terapêutica de pacientes e familiares.


Mais do que um espaço de acesso à cannabis medicinal, o Clube é uma comunidade de cuidado, encontro e reconstrução de vínculos com a própria saúde.


Equoterapia e acolhimento no processo da qualidade de vida


Em Marília, interior de São Paulo, a Associação Canábica Maria Flor criou um refúgio terapêutico em meio à natureza. Lá, o tratamento vai muito além da prescrição médica. O cavalo, por exemplo, é mais que um animal: é terapeuta. 


A fisioterapeuta Juliana Zayede explica como a equoterapia atua no corpo e na alma. “O cavalo transmite ao praticante mais de dois mil estímulos por sessão. É equilíbrio, coordenação motora, força muscular e, sobretudo, acolhimento emocional. A presença do animal acalma, convida à interação social, e transforma o dia a dia dos nossos pacientes”, pontua Juliana, ressaltando a força da combinação entre o ambiente natural e o uso medicinal da cannabis como uma “combinação perfeita". 

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 "Ver a transformação que essa planta faz na vida dos pacientes e das famílias é o que mais me encanta", afirma a fisioterapeuta Juliana Zayede (Foto: Arquivo Pessoal)


Atualmente, são realizados 112 atendimentos mensais de equoterapia e 60 de terapia assistida por animais (TAA), todos gratuitos. A fazenda que abriga a associação se tornou um santuário de convívio entre humanos e não-humanos, gatos, pássaros, bezerros, pôneis e até macacos compartilham o mesmo espaço em liberdade.


“O processo terapêutico começa já na entrada da fazenda, quando o paciente sente o vento, o cheiro da terra e o silêncio que acolhe. É um reencontro com o que somos de mais essencial”, relata a fisioterapeuta, que cuida com muito carinho de todos que chegam.


Gabriel e a descoberta de um novo equilíbrio


 

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Jéssika se emociona quando vê a interação do filho no Clube do Paciente (Foto: Arquivo Pessoal)

Entre as muitas histórias que ecoam pelos corredores da Maria Flor, está a do pequeno Gabriel Henrique de Oliveira Ferreira, de 12 anos. Com uma síndrome rara e malformação cerebral, convivia com crises epilépticas de difícil controle, chegando a ter 30 por dia. 

Desde que iniciou o tratamento com cannabis medicinal e passou a frequentar as sessões de equoterapia, sua mãe relata uma verdadeira transformação. “Ele teve uma grande evolução, uma grande melhora. Está se desenvolvendo bem, a postura está ótima, ele não tinha equilíbrio e agora já tem. O contato com os animais é algo mega, super bom pra ele… e pra mim também. Só de ver o quanto ele evoluiu, pra mim é gratificante”, conta emocionada a mãe, Jéssika de Oliveira.


Liana: quando a primeira palavra rompe o silêncio

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 "Quando o óleo chegou, em menos de um mês, ela me chamou de ‘mãe’ pela primeira vez em 12 anos", contou emocionada a mãe de Liana (Foto: Arquivo Pessoal)

Outra história comovente que nasce desse solo fértil de cuidados é a de Liana Doi Pillon, de 18 anos, portadora de Síndrome de Down e que enfrentou, desde o nascimento, graves desafios respiratórios e neurológicos. A mãe, Ilda Liliana Doi, nunca mediu esforços para oferecer à filha uma vida digna. 

Após uma trajetória marcada por cirurgias cardíacas, oxigenoterapia contínua, epilepsia, doenças autoimunes e internações constantes, foi em uma palestra sobre cannabis medicinal que Ilda enxergou uma nova possibilidade.

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Na equoterapia, pacientes encontram equilíbrio físico e emocional, fortalecendo corpo e mente em conexão com os cavalos e a natureza (Foto: Divulgação)


“Fui sem saber o porquê, mas fiz de tudo para ir. Quando ouvi os relatos, fiquei chocada. Comecei a participar das reuniões e, em 2020, a Liana teve sua primeira consulta com um médico prescritor. Quando o óleo chegou, em menos de um mês, ela me chamou de ‘mãe’ pela primeira vez em 12 anos”, lembra com emoção.


Após iniciar o tratamento com cannabis, Liana passou dois anos sem internações ou infecções, recuperou a função pulmonar quase por completo e desmamou das medicações para epilepsia. Além disso, diminuiu os comportamentos de automutilação, passou a falar palavras e responder com gestos, e hoje compreende muito mais do mundo ao seu redor.

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Imersão dos pacientes que participam do Clube do Paciente na Associação Canábica Maria Flor, em Marília/SP  (Foto: Divulgação)

Em 2023, começou a equoterapia na Associação Maria Flor. “Agora ela tem equilíbrio, autoestima alta, escolhe suas roupas, carrega a própria mochila. A terapia canábica é a chave. A equoterapia gira a chave que abre o portão grande”, descreve a mãe, com poesia e alívio.


O Clube do Paciente da Maria Flor nasceu em 2023, como resposta à negligência do sistema público de saúde em oferecer terapias integrativas acessíveis. A iniciativa cresceu e hoje é referência para Marília e região, com uma rotina que inclui aula de pilates, capoeira, atividades com idosos, artesanato e até auxílio no manejo da cannabis cultivada de forma orgânica.


Rodas de conversa, mãos dadas e a coragem de não desistir


Em Niterói, no estado do Rio de Janeiro, o acolhimento também tem nome: AbraRio. A associação também realiza encontros com a mesma essência do Clube do Paciente. “São rodas de conversa com médicos e profissionais da saúde, focadas sempre em temas relevantes e com foco nas patologias que tem a cannabis como cura integrativa. Mas o que realmente transforma é o espaço seguro para escutar e ser escutado”, descreve Marilene Oliveira, fundadora da AbraRio.

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Marilene conta que as rodas de conversa têm um papel fundamental na escuta dos pacientes (Foto: Arquivo)

Ela traz no corpo e na voz as marcas de uma trajetória que mistura dor e coragem. “Passei anos vendo meu filho sofrer com medicamentos que não funcionavam. Hoje, poder ajudar outras famílias é o que me move. Escutar uma paciente dizer que voltou a viver, que se arrumou para ir ao encontro, que retomou o casamento... Isso mostra que estamos no caminho certo”, reafirma Marilene.

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A AbraRio também promove conectividade dos pacientes e a área de cultivo da cannabis na fazenda (Foto: Divulgação)


A associação já atende mais de quatro mil pacientes. Além das rodas, promove imersões em fazendas, apoio ao cultivo com orientação de agrônomos e farmacêuticos, e um cuidado contínuo que passa pela escuta ativa, pela troca de experiências e pela aposta no protagonismo de cada paciente sobre o próprio tratamento.

A medicina que escuta


Há associações pelo Brasil afora que agregam outros tipos de benefícios a seus pacientes, todas com o objetivo de acolher ou trazer para perto. Algumas até têm isenção de taxas, ações sociais, apoio jurídico e etc. 


A ABRACE, de João Pessoa (PB), informou ao Sechat que criou uma espécie de “Clube de Vantagens” para seus pacientes. “Como atendemos mais de 50 mil pacientes, fica impossível ter um espaço físico, mas iniciamos o clube de vantagens com direito a dentista, cabeleireiro, médicos e etc”, afirmou Cassiano Gomes, diretor executivo da associação paraibana. 


 

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O apoio de pacientes no manejo da planta é a esperança de um bem querer coletivo (Foto: Divulgação)

A reflexão que fica é que as terapias com animais, rodas de conversa, convivência com a terra e o toque cuidadoso das mãos que cultivam não apenas a planta, mas a esperança, são ingredientes de uma revolução silenciosa, mas poderosa. 

Porque, no fim, a cura não está apenas na substância ativa, ela está no olhar, no tempo compartilhado, na coragem de construir saúde de forma coletiva. E estes encontros esporádicos oferecidos pelas associações são exatamente isso: um convite para caminhar junto.