Brasil bate recorde de médicos, mas adesão à cannabis medicinal ainda enfrenta resistência

Mesmo com o aumento de médicos no Brasil, o Dr. Wellington Briques alerta para a desigualdade no acesso à cannabis medicinal e defende a urgência de incluir o sistema endocanabinoide na formação médica

Publicada em 21/07/2025

Brasil forma mais médicos mas o acesso à cannabis medicinal continua restrito

Mesmo com aumento, número de prescritores de cannabis medicinal ainda é baixo | Reprodução IA

O número de médicos no Brasil deve chegar a 635.706 até o fim de 2025, um aumento de 58% em relação ao ano anterior, aponta o estudo Demografia Médica no Brasil 2025.

Embora o dado seja promissor, uma inquietação permanece: os médicos estão onde a população mais precisa? Quase 60% dos profissionais continuam concentrados nas capitais.

De acordo com o estudo, as desigualdades na distribuição dos médicos pelo país persistem. O levantamento revela que 48 cidades com mais de 500 mil habitantes abrigam 31% da população brasileira, mas concentram 58% dos médicos em atividade.

Enquanto isso, 4.895 cidades com menos de 50 mil habitantes — que também reúnem 31% da população — contam com apenas 8% dos profissionais.

No Norte do país, a situação é ainda mais preocupante, com pouco mais de 1,70 médico por mil habitantes — número bem abaixo da média nacional, que é de 2,98, e distante dos 6,28 médicos por mil habitantes registrados no Distrito Federal.

Essa desigualdade reforça o desafio de garantir atendimento médico de qualidade em todas as regiões do país.


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Entre promessas e estatísticas, fica a pergunta que ecoa nas comunidades mais distantes, nas pequenas cidades esquecidas pelo progresso: haverá médicos para todos? E mais ainda: haverá prescritores de cannabis medicinal para aqueles que, além de distantes, enfrentam doenças crônicas, dores persistentes e diagnósticos que a medicina convencional não resolveu?

Segundo levantamento da Close-Up International, o Brasil alcançou 52.300 médicos prescritores de cannabis medicinal até março de 2025. Do total, 65% (34.213 profissionais) passaram a prescrever no último ano, sinalizando um avanço, mesmo que abaixo da expectativa, na adesão médica à terapia canábica que atualmente tem 672 mil pacientes no Brasil (o número de pacientes adeptos à terapia canabinoide é do anuário da Kaya Mind). Entre os prescritores antigos, o crescimento nas prescrições foi de 35,1%, enquanto a média de pacientes por médico subiu de 10,2 para 13,8.


Uma chave terapêutica trancada nas capitais


 

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Dr. Wellington Briques defende a urgência de incluir o sistema endocanabinoide na formação médica | Foto: Arquivo Pessoal

O Dr. Wellington Briques, médico formado pela USP e especialista em práticas integrativas, observa esse crescimento com olhar crítico e compassivo. Para ele, o aumento no número de médicos é bem-vindo, mas insuficiente se não vier acompanhado de um redesenho na forma como esses profissionais são formados e distribuídos pelo território nacional. 

“Apesar do crescimento expressivo, a distribuição dos médicos ainda é profundamente desigual. Em áreas remotas, onde o número de especialistas já é baixo, a presença de prescritores com conhecimento sobre o sistema endocanabinoide é praticamente inexistente”, alerta.


Briques compara o cenário a uma chave terapêutica que existe, mas permanece escondida numa gaveta trancada e inacessível para quem mais precisa. 

Segundo ele, não basta formar médicos: é preciso interiorizar o conhecimento, oferecer acesso à educação médica continuada e garantir que todos, mesmo longe dos grandes centros, possam receber orientação sobre terapias com cannabis.
 

A formação como caminho


Diante do crescimento da classe médica, surge a oportunidade de formar mais prescritores de cannabis medicinal, mas o caminho ainda é longo e sinuoso. O obstáculo principal? A lacuna educacional. “A maioria dos médicos recém-formados nunca ouviu falar do sistema endocanabinoide na faculdade. E como qualquer profissional, o médico só prescreve aquilo que conhece e domina. O que falta é educação médica qualificada, baseada em evidência, acessível e prática”, defende Briques.


O especialista lembra ainda que muitos colegas demonstram interesse pelo tema, mas ainda se sentem inseguros. Falta orientação. Falta respaldo. Falta um espaço de escuta e troca para que esses profissionais possam aprender com casos reais, construir segurança e transformar o conhecimento em conduta clínica ética e segura. 

“É preciso transformar o crescimento numérico da classe médica em crescimento qualitativo. Incluir o domínio de terapias como a cannabis medicinal é parte essencial dessa evolução”, pontua.


O sistema que ficou de fora da medicina


Uma das falhas mais gritantes da educação médica, segundo Briques, é a ausência do sistema endocanabinoide nas diretrizes curriculares. Para ele, ignorar esse sistema é como ensinar cardiologia sem falar do sistema circulatório. 

“O sistema endocanabinoide está em todo ser humano. Atua na dor, no humor, no sono, na imunidade, na inflamação. É um conteúdo essencial e não opcional”, diz.

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Para mudar esse cenário, ele propõe uma atuação tripla: atualizar os currículos universitários com conteúdo sobre cannabis medicinal, fomentar a pesquisa prática em ambulatórios e centros de dor, e fortalecer a educação médica continuada com cursos baseados em evidência e acessíveis a quem já está na linha de frente.


Briques faz questão de lembrar: “essa falha não é culpa do médico, é uma omissão do sistema. Corrigir isso é fundamental para que a cannabis medicinal deixe de ser exceção e passe a integrar, com responsabilidade, o arsenal terapêutico da medicina brasileira contemporânea”. 


Um horizonte que precisa de coragem


O Brasil caminha para ultrapassar a marca de 1,1 milhão de médicos até 2035. 


A cannabis medicinal, com todo o seu potencial terapêutico, ainda é um campo cercado por muros invisíveis: o preconceito, a desinformação e a desigualdade de acesso. Romper esses muros exige mais que jalecos, exige coragem, escuta e compromisso com o cuidado real.