Congresso pode decidir sobre plantio e comercialização de Cannabis medicinal enquanto STJ estabelece prazos para Anvisa

Projetos de lei avançam na busca por segurança jurídica e acesso ampliado a tratamentos, enquanto a decisão do STJ pressiona por regulamentação em meio a controvérsias sobre controle e uso recreativo

Publicada em 20/02/2025

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Imagem: Geraldo Magela/Agência Senado

Enquanto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda não regulamenta o plantio e a comercialização de cannabis para fins medicinais, várias propostas tramitam no Congresso Nacional. Entre os senadores que elaboraram projetos de lei sobre o tema estão Mara Gabrilli (PSD-SP), Eduardo Girão (Novo-CE), Flávio Arns (PSB-PR) e Paulo Paim (PT-RS).

Em novembro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é possível autorizar o cultivo e a comercialização de cannabis no Brasil, desde que algumas condições sejam cumpridas: as atividades devem ter fins exclusivamente medicinais e farmacêuticos, com o teor de THC (tetrahidrocanabinol) das plantas inferior a 0,3%.

O STJ também determinou que a autorização para cultivo e comercialização só pode ser concedida após a regulamentação dessas atividades pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e outros órgãos reguladores. Na decisão, foi dado o prazo de seis meses — até maio deste ano — para que a agência apresentasse as regras. Em dezembro, a União e a Anvisa solicitaram a prorrogação desse prazo para 12 meses, mas o STJ negou o pedido, mantendo o prazo inicial.

 

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Mara Gabrilli, Eduardo Girão, Flávio Arns e Paulo Paim apresentaram projetos sobre o tema. Geraldo Magela e Marcos Oliveira/Agência Senado

 

A senadora Mara Gabrilli apoiou a decisão, afirmando que o STJ tomou conhecimento da urgência da questão, dado o sofrimento de pessoas que dependem de medicamentos à base de cannabis para tratar dores crônicas, convulsões e doenças neurodegenerativas, entre outras condições de saúde.

“Quem sofre tem pressa! E já são anos de esperança” declarou a senadora em entrevista à Agência Senado, ressaltando que o país já permite a importação desses medicamentos.

Mara Gabrilli é autora do PL 5.511/2023, que regulamenta o setor, propondo normas para o cultivo e a comercialização da cannabis medicinal. O projeto aguarda votação na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). Mara defende que a revisão da segurança jurídica e pode ampliar a oferta de produtos nacionais, reduzindo os custos e tornando os tratamentos mais acessíveis.

 

"Precedente perigoso"

 

Nem todos os parlamentares concordam com a decisão do STJ. O senador Eduardo Girão (Novo-CE), por exemplo, criticou a regulamentação nos moldes propostos, considerando-a um "precedente perigoso". Girão argumenta que a decisão do STJ concedeu um “tratamento diferenciado” para a cannabis, ao contrário de outras plantas com potencial entorpecente que também são usadas na produção de medicamentos, como a papoula.

Embora reconheça a necessidade de medicamentos à base de canabidiol (CBD), Girão teme que a regulamentação do cultivo da planta possa incentivar o uso recreativo. Ele também alertou para o risco de enfraquecimento das políticas de controle de drogas e impactos negativos na saúde e segurança pública.

“A Anvisa, declaradamente, não possui profissionais adequados, como agronômicos e botânicos, para regulamentar o plantio de qualquer planta. Isso pode comprometer o processo de regulamentação e abrir espaço para atores que não respeitam normas de segurança e qualidade, especificamente apenas para lucrar” afirmou em entrevista à Agência Senado.

O senador é autor do PL 5.158/2019, que propõe a distribuição de medicamentos à base de CBD pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sob diretrizes determinadas pelo Conselho Federal de Medicina e pela Anvisa. O projeto está em análise na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

 

Regulamentação e plantio

 

O PL 4.776/2019, de autoria do senador Flávio Arns (PSB-PR), também busca regulamentar o setor. A proposta permite o plantio controlado de cannabis para fins exclusivamente medicinais, restringindo essa atividade a pessoas jurídicas autorizadas. O uso recreativo fica proibido, e os produtos derivados da planta devem ser vendidos sob controle especial em farmácias, exceto quando distribuídos por associações mediante prescrição médica. O projeto está em tramitação na CAE.

Fornecimento gratuito

O senador Paulo Paim (PT-RS) apresentou o PL 89/2023, que prevê o fornecimento gratuito de medicamentos à base de cannabis para a população carente. A distribuição seria feita nas unidades de saúde públicas e privadas conveniadas ao SUS, mediante receita médica e seguindo as normas da Anvisa. 
Mas ele ressalta que, “embora haja medicamentos à disposição dos pacientes, e tenha havido uma disseminação na classe médica sobre os benefícios da sua prescrição”, esses produtos ainda “têm elevado custo, tornando-se proibitivos para milhares e milhares de pacientes”.
Paim observou que vários estados vêm alterando (ou tentando alterar) suas legislações para incluir esses medicamentos entre os oferecidos pelo SUS. Essa matéria também está em tramitação na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).


Preconceito e desinformação

 

Para Mara Gabrilli, um dos principais entraves ao avanço das propostas sobre cannabis no Congresso é a falta de conhecimento de muitos parlamentares sobre o tema. Ela ressalta que, embora alguns conheçam o termo "cannabis medicinal", poucos entendem os efeitos terapêuticos das diferentes substâncias da planta.

“Por exemplo, um óleo rico em CBD pode beneficiar pessoas com epilepsia refratária, enquanto aquelas com esclerose múltipla, dores neuropáticas ou espasmos podem se beneficiar mais de um óleo com maior concentração de THC. A interação entre esses compostos é fundamental para tratar várias condições”.

A senadora destacou que o objetivo da regulamentação é exclusivamente medicinal, sem vínculo com o uso recreativo.

 

Produtos já autorizados

 

Até outubro de 2023, a Anvisa havia autorizado 31 produtos à base de cannabis, sendo 19 à base de CBD e 12 como extratos da planta, para atender pacientes que não respondem aos tratamentos prejudiciais.

 

Fonte: Agência Senado