Meta exclui 47 perfis ligados à cannabis e gera debate sobre políticas da plataforma

Para o advogado Clayton Medeiros, denúncias e mudanças no Marco Civil podem ter impulsionado a ação; pressão política garantiu o retorno de parte dos perfis

Publicada em 21/10/2025

Derrubada de 47 contas canábicas pela Meta é inédita e levanta suspeita de censura, indica especialista

Clayton Medeiros, advogado especialista em cannabis e redes sociais, vê como incomum a ação da Meta, devido ao número de contas derrubadas. Imagem: Canva Pro

A Meta derrubou 47 contas ligadas à cannabis no Instagram, plataforma que pertence à big tech. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, se mobilizou e, após questionar a empresa, mais de 20 contas foram restabelecidas.

Segundo a assessoria do ministro, a Meta não soube explicar o porquê de as contas serem derrubadas, mesmo assim, mobilizou um grupo de funcionários para analisar caso a caso. A derrubada das contas não foi feita devido a uma ordem judicial.

Clayton Medeiros, advogado especialista em cannabis e redes sociais, vê como incomum a ação da Meta, devido ao número de contas derrubadas. "Já tivemos outras ações, mas com 18, 20 contas no máximo, nunca tinha visto algo perto de 50."

"Claro que existe uma falha na prestação de serviços da Meta, mas não deve ser este o caso principal aqui", continua.

Em vídeo postado em uma rede social no domingo (19), Teixeira afirmou que estava questionando a Meta sobre as razões para a derrubada dos perfis. Os perfis afetados são de associações que oferecem tratamento com cannabis medicinal e de ativistas que lidam com o tema.

"Fiz essa pergunta porque caracteriza censura e quero saber se essa censura vem da própria empresa ou se há uma decisão judicial", disse o ministro.

 

Especialista analisa derrubada das contas de cannabis

 

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Clayton Medeiros, advogado especialista em cannabis e redes sociais. Imagem: Divulgação

Perguntado sobre o porquê de as contas terem sido derrubadas, Clayton afirmou enxergar três possibilidades além de uma ação rotineira. A primeira delas é a ação orquestrada de grupos conservadores. "A extrema-direita, composta por pessoas contra o uso medicinal da cannabis, contra a legalização, pode ter notificado a Meta para derrubar esses perfis", comenta.

Segundo ele, a situação mudou após as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), referentes aos Temas 0533 e 0987, que alteraram a maneira como um perfil é "derrubado". Antes, o artigo 19 da Lei do Marco Civil da Internet falava que para a gente derrubar algum conteúdo, precisa de uma ordem judicial. Agora, não é mais necessário uma ordem judicial, basta uma comunicação à rede social, que a conta já está apta a passar por uma análise e ser derrubada."

Clayton entende ainda que, devido à derrubada ocorrer após a ação policial na sede da Santa Gaia, na quinta-feira (16) essa narrativa se fortalece. "Perfis divulgando informações sobre o ocorrido foram os afetados. Seguidores do Delegado da ação podem ter feito uma denúncia em massa, ou de repente a inteligência artificial pode ter achado o perfil da Santa Gaia ou as contas que trataram do assunto", comenta mesmo ressaltando não ser possível afirmar.  

A segunda possibilidade é que bots de perfis de extrema-direita fiquem alerta para palavras ligadas à planta. "Tem grupos que trabalham assim. Com bots tanto para disseminar fake news, quanto para denunciar perfis", explica. 

A terceira alternativa vista por ele é a de que os perfis tenham passado por uma "malha fina" política, sendo cada um deles escolhido "a dedo" para ser fiscalizado.

Sobre o retorno com celeridade, o advogado destaca como crucial a atuação política. "Dificilmente a Meta iria reunir um grupo de funcionários para fazer essa análise". O advogado enfatiza ainda que a maioria dos perfis não foi desabilitada de forma permanente, e sim, foram suspensos, o que com um recurso administrativo podem ser reativados. "A preocupação maior é quando o perfil é desabilitado permanentemente. Aí, sim, você faz o recurso, mas possivelmente o perfil não vai voltar.", completa. 

 

Caso Santa Gaia e o impacto nas contas de associações


O Ministro Paulo Teixeira, junto ao deputado Eduardo Suplicy, também se mobilizou em prol da associação Santa Gaia. A associação foi vítima de uma ação policial na quinta-feira (16), que deixou mais de 9 mil pacientes desassistidos.

Durante reunião com o desembargador federal Paulo Fontes, os políticos solicitaram um salvo-conduto à Justiça Federal para a associação continuar seus trabalhos. A solicitação foi feita juntamente com o advogado da associação, Antônio Pinto.

Clayton entende que, caso o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) der parecer favorável para o salvo-conduto, isso pode impactar a segurança do funcionamento de outras associações e seus perfis de redes sociais.

Um exemplo é o caso da Santa Cannabis, associação de Santa Catarina que retornou seu perfil em julho deste ano, após meses fora do ar. Na liminar concedida em segunda instância, o juiz destacou a decisão favorável justamente devido ao respaldo jurídico para funcionar e expor seu trabalho.

"Com certeza terá benefícios jurídicos, não só para Santa Gaia. A ampla comunicação, caso saia o salvo-conduto da associação, também deve ajudar", continua.

 

Como proteger contas de cannabis de futuras suspensões

 

O advogado Clayton Medeiros, que analisou a derrubada em massa, também oferece orientações para que os perfis possam se proteger de futuras ações da plataforma. Segundo ele, o primeiro passo para a segurança é evitar a exibição de conteúdo que infringe diretamente as diretrizes. "No Brasil não é possível mostrar a planta, o cultivo, um baseado... esse é o primeiro caminho para se proteger", aponta.

A segunda recomendação é focar na linguagem e no entendimento das regras da plataforma, numa estratégia de "redução de danos". O especialista aconselha "tentar ter uma linguagem mais clara, entendo as diretrizes da comunidade" e, assim, segui-las de fato.

Medeiros adverte, no entanto, que isso não é uma garantia. "Significa que esse perfil vai ficar ativo? Não, não significa isso. Mas a gente consegue fazer uma redução de danos para que esse perfil possa se prolongar", pondera.

Além das medidas de conteúdo, o advogado sugere uma preparação legal robusta para quem ainda está com o perfil ativo. Ele recomenda "que faça o registro do conteúdo que foi postado, do engajamento da página, da quantidade de acesso, da quantidade de seguidores, das mensagens que recebe elogiando o trabalho, do tipo de publicação".

Com esse material, torna-se mais viável "conseguir uma liminar" ou comprovar na sentença "a importância desse perfil para os seguidores, para a causa". Por fim, caso o perfil já tenha sido censurado, o advogado deixa uma "dica essencial": recorrer. "O recurso é a única forma administrativa de reativar esse perfil".