Educação como ferramenta para combater estigmas e democratizar o acesso à Cannabis

Raoni Molin fala sobre educação como ferramenta crucial para entender a cannabis e sua relação com diversas áreas do conhecimento humano

Publicada em 05/11/2024

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Imagem: FreePik

A trajetória da cannabis ao longo da história é tão rica quanto às suas propriedades medicinais e industriais. Na China, por volta de 2.700 aC, o livro Pen Ts'ao, considerado a primeira farmacopeia do mundo, já documentava o valor terapêutico da planta. Durante séculos, a cannabis também foi amplamente utilizada na fabricação de tecidos, cordas e até em rituais religiosos.

No início do século XX, porém, os Estados Unidos começaram a mudar sua postura em relação à planta. Em 1930, uma criação do Federal Bureau of Narcotics, deu início a uma campanha de desinformação contra a cannabis. No Brasil, a Lei do Pito do Pango de 1830 penalizou desproporcionalmente os negros escravizados que consumiam cannabis, refletindo o forte preconceito racial da época.

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Raoni Molin, presidente da Federação Canábica (FECAN). Imagem: Arquivo Pessoal 

A história da cannabis é marcada por uma drástica mudança de percepção, e entender essa transformação requer uma análise específica de fatores econômicos, raciais, religiosos e políticos. Para Raoni Molin, presidente da Federação Canábica (FECAN), a educação sobre a cannabis é a chave para reduzir os estigmas em torno de seus usos, especialmente no Brasil.

"Através desse tema, os alunos podem entender conceitos mais amplos, como racismo, meio ambiente e até mesmo o conceito de classe social, que pode e deve ser considerado sob a perspectiva da exclusão histórica de uma planta e da repressão às populações que a usavam há séculos", comenta Raoni.

 

Manter a chama do conhecimento acesa

 

Segundo Raoni, as escolas e universidades podem desempenhar um papel crucial na difusão de conhecimentos científicos sobre a cannabis e seus usos medicinais por meio de pesquisas, simpósios e debates. “Ainda mais em tempos de fake news e do crescimento de uma direita reacionária, é essencial que as universidades mantenham a chama do conhecimento aceso e não se acovardem ao tratar do tema cannabis”, afirma ele.

o presidente da FECAN ainda ressalta que a falta  de programas de educação canábica contribui para a "elitização do acesso aos tratamentos com cannabis", afetando principalmente as classes mais baixas. “Existem pessoas que sequer têm acesso à internet, e grande parte daquelas que consomem informações online não têm recursos para custear uma terapia que, no mínimo, custa um salário-mínimo, somando medicamentos, frete, consultas médicas e taxas de importação”, diz.

Em 2022, 60% da população brasileira vivia com até um salário-mínimo per capita, 31,8% recebiam entre um e três salários-mínimos, e apenas 8,1% tinham renda superior a três salários-mínimos, de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais 2023 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 

Educação para os médicos

 

Raoni destaca também a importância da educação canábica para médicos e pacientes, a fim de facilitar decisões mais assertivas sobre o tratamento. A cannabis possui mais de 400 substancias descobertas, das quais mais de 60 são canabinoides, incluindo o canabidiol (CBD), o cannabigerol (CBG) e o tetrahidrocanabinol (THC), cada um com diferentes efeitos no corpo humano. “É essencial que os médicos compreendam as patologias tratadas com cannabis e saibam indicar o produto adequado para cada caso”, reforça.

No entanto, ele aponta os desafios enfrentados pelos profissionais de saúde, como o alto custo das capacitações e a falta de investimento público na educação sobre o tema. "Sem melhorias nessas áreas, não teremos profissionais suficientes para atender à crescente demanda por terapias com cannabis no Brasil."

Ele conclui que o fornecimento gratuito de produtos à base de cannabis pelo sistema público de saúde poderia resolver parte do problema, permitindo que os médicos especificassem compostos específicos com mais liberdade para determinados casos clínicos.