Em um ano, pedidos de HCs sobem 168,4% no STJ para cultivo de cannabis
De acordo com informações obtidas pelo JOTA, o total de processos chegou a 51, em comparação com os 19 do ano anterior.
Publicada em 28/12/2023

Por Leandro Maia
Até o final de outubro de 2023, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) registrou um considerável aumento no número de pedidos de habeas corpus (HCs) relacionados ao cultivo de cannabis em domicílio. De acordo com informações obtidas pelo JOTA, o total de processos chegou a 51, em comparação com os 19 do ano anterior.

O ministro Sebastião Reis Júnior, presidente da 6ª Turma do STJ, atribui esse aumento a uma mudança de percepção, indicando que, anteriormente, havia receio em discutir o tema devido à ideia de que os pedidos seriam negados pela Justiça. Essa perspectiva, no entanto, começou a se transformar, especialmente a partir de 2022, quando foram concedidos salvos-condutos.
Segundo o levantamento, 56,6% dos 90 pedidos de HCs recebidos desde 2018 foram encaminhados à Corte neste ano. O ministro Reis Júnior prevê que o número de pedidos de salvo-conduto tende a diminuir a partir de 2023, uma vez que os ministros e instâncias inferiores agora podem aplicar o precedente estabelecido pela 3ª Seção, favorecendo a concessão de HCs em casos semelhantes.

O ministro Rogerio Schietti Cruz, em entrevista ao JOTA, expressou a esperança de que as decisões do STJ levem órgãos como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Câmara dos Deputados e o Senado a refletirem sobre o tema. Ele enfatiza a importância de abordar a questão de maneira científica, laica e sem preconceitos.
Ambos os ministros, considerados defensores proeminentes da liberação do cultivo de cannabis para fins medicinais, concordam que a Corte já pacificou o assunto. Destacam-se também os ministros Ribeiro Dantas, presidente da 3ª Seção, e Reynaldo Soares da Fonseca.
A decisão da 3ª Seção em setembro, que concedeu habeas corpus para permitir o cultivo de 15 mudas de Cannabis sativa para uso pessoal durante o tratamento, consolidou o entendimento da Corte sobre o tema. O placar da votação foi de 6 a 2, demonstrando a posição favorável à concessão de HCs para casos semelhantes.
Entenda a jornada da cannabis no Brasil
Em 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) registrava apenas dois pedidos de salvo-conduto, marcando o início de uma série histórica que delinearia a complexa trajetória da cannabis medicinal no Brasil. Nessa época, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) dava os primeiros passos, retirando o canabidiol (CBD) da lista de substâncias proibidas e permitindo seu uso como medicamento controlado.
Apesar dos avanços, especialistas apontavam para uma caminhada lenta na liberação da cannabis. Em 2016, a Anvisa regulamentou o tetrahidrocanabinol (THC) isolado ou combinado com CBD, autorizando sua prescrição. A aprovação do primeiro medicamento, destinado ao tratamento de espasmos prolongados da esclerose múltipla, ocorreu em 2017.
O ano de 2019 foi crucial, com a Anvisa avaliando propostas para o cultivo da cannabis para fins medicinais e científicos, além da autorização para medicamentos. A segunda, mais restritiva, saiu vitoriosa, enquanto a primeira foi arquivada. Nesse contexto, o então presidente Jair Bolsonaro indicou Antonio Barra Torres para a diretoria da Anvisa, levantando especulações sobre possíveis intenções de barrar a cannabis no país.
Contudo, em julho deste ano, a flexibilização enfrentou um revés significativo. A Anvisa proibiu a importação da flor de Cannabis e de partes da planta, buscando coibir o uso ilegal. Um prazo de 60 dias foi concedido para a conclusão dos processos em andamento, adicionando um capítulo controverso à saga da cannabis medicinal no Brasil.
A jornada histórica da cannabis medicinal no país é marcada por avanços graduais, decisões controversas e uma busca constante por um equilíbrio entre os benefícios terapêuticos e as preocupações com a segurança e o uso indevido. Enquanto a discussão continua a evoluir, pacientes, médicos e defensores aguardam ansiosos por um desfecho que possa oferecer acesso seguro e regulamentado à cannabis medicinal no Brasil.
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