Homem aciona a polícia após não receber cannabis ilícita e diz que traficante agiu de má-fé
O caso é tão curioso que o usuário pode responder por comunicação falsa de crime. Além disso, a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal não exclui outras penalidades previstas, entenda
Publicada em 20/03/2025

Imagem ilustrativa: Canva Pro
Em Goiânia (GO), um homem acionou a polícia após pagar R$ 210 por 30 gramas de maconha e não receber seu pedido. O usuário afirma que o traficante "agiu de má-fé". O boletim de ocorrência foi registrado no dia 28 de fevereiro, mas a situação ganhou repercussão quando o próprio homem foi chamado para prestar depoimento dias depois.
De acordo com informações reveladas pelo UOL, que teve acesso ao documento registrado na Central Geral de Flagrantes de Goiânia, o homem argumentou que, apesar da atividade ser ilícita, o princípio da boa-fé deveria prevalecer nas relações.
"Muito embora a atividade dele seja ilícita, e o uso da substância não seja considerado crime, a boa fé nas relações deve ser mantida e nesse caso, como não foi, estou fazendo o boletim de ocorrência para fins de averiguação desse sujeito criminoso que tem passado a perna em cidadãos que fazem o uso recreativo da Cannabis e que por vezes precisam dela para fatores médicos, como é meu caso", disse, em texto do BO.
O delegado Humberto Teófilo, da Central Geral de Flagrantes de Goiânia, esteve de plantão no dia em que a ocorrência foi registrada e comentou sobre o caso inusitado: “Em 15 anos de polícia, acho que é a primeira ocorrência dessa natureza que vejo”, disse o delegado.
Teófilo explicou que, ao acionar a polícia para cobrar uma ação de estelionato contra um traficante, o usuário pode acabar respondendo por "comunicação falsa de crime". Essa conduta está prevista no artigo 340 do Código Penal, podendo resultar em pena de seis meses a um ano de prisão. O homem já foi identificado e será intimado a prestar esclarecimentos no próximo sábado na delegacia.
“Não existe crime de estelionato envolvendo usuário e traficante porque o objeto é uma droga, que é ilícito”, acrescentou o delegado.
Decisão do STF em ação
Em relação à quantidade de 30 gramas de maconha adquirida, o homem não será punido criminalmente, uma vez que, em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado, definiu que até 40 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas configuram uso pessoal, e não tráfico. Nesse caso, o usuário pode responder por uma infração administrativa, semelhante às multas de trânsito.
Mesmo com a descriminalização do porte para uso pessoal, comprar, vender ou fornecer drogas segue sendo crime no Brasil, sujeito a penas de prisão de 05 e 15 anos, conforme a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006).
O advogado Murilo Nicolau esclareceu que, como o produto envolvido é ilegal, a situação foge das normas tradicionais do direito. “Quando falamos em negócios jurídicos, é fundamental que o objeto do contrato seja lícito. Como estamos lidando com a compra de drogas, que é uma atividade ilícita, não há um respaldo legal para essa transação”, explica Nicolau.
Ele acrescenta que, em situações como essa, "não há infração específica para a não coleta do produto, pois a própria compra já configura uma violação da lei, relacionada ao tráfico de drogas".
Nicolau também faz referência a decisão do Ministro Reynaldo da Fonseca, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no qual foi decidido que o simples ato de solicitar entorpecentes, sem a concretização da entrega, não configura crime. Nesse caso, o ministro absolveu um réu acusado de tráfico de drogas, entendendo que a solicitação de entorpecentes caracteriza, no máximo, um ato preparatório.