Na Itália, setor de cânhamo é criminalizado da noite para o dia

Decisão do governo Giorgia Meloni proíbe inflorescências do cânhamo industrial na Itália, fecha mais de 3 mil empresas e deixa 30 mil trabalhadores sem emprego, gerando revolta no setor e críticas à medida autoritária

Publicada em 07/04/2025

Na Itália, setor de cânhamo é criminalizado da noite para o dia

Bandeira Itália | CanvaPro

“Quando o Estado decide que o que ontem era legal hoje é crime, ninguém mais está seguro”...Foi com essa frase, ecoada por lideranças do setor do cânhamo industrial italiano, que o país amanheceu mergulhado em indignação e perplexidade. A informação foi divulgada no IMPRENDITORI CANAPA ITALIA Azzociazone, presidido por Raffaele Desiante.

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Presidente da Imprenditori Canapa Italia Raffaele Desiante, com Dario Nardella e Yuri Aimo, membro del direttivo dell'associazione, afirmam que tal decreto causará sério dano à agricultura local, além de acabar com mais de 3 mil empresas que geram mais de 10 mil empregos. (Reprodução/Instagram)

O Conselho de Ministros da Itália aprovou, nesta segunda-feira (7), um Decreto-Lei que, sem aviso prévio e sem justificativas técnicas claras, proíbe qualquer atividade relacionada às inflorescências do cânhamo industrial — e, com isso, obriga o fechamento de mais de 3.000 empresas, gerando um impacto imediato no emprego de 30.000 trabalhadores.


A decisão, incluída dentro de um Decreto-Lei de Segurança, foi classificada por representantes da cadeia produtiva como “um ato de gravidade sem precedentes”, que mina o Estado de Direito e esvazia princípios constitucionais fundamentais como a liberdade de empresa, o direito ao trabalho e a confiança no Estado.


“O que até ontem era uma profissão legal, fiscalizada, com tributos pagos e empregos gerados, hoje se tornou atividade criminosa com um golpe de caneta”, afirmam, em nota conjunta, entidades como Canapa Sativa Italia, Resilienza Italia Onlus e Sardinia Cannabis, que prometem resistir juridicamente à medida.


Decisão solitária e autoritária


A medida teria partido de uma iniciativa direta do Subsecretário da Presidência do Conselho, contrariando inclusive a posição de parte da própria base parlamentar do governo de Giorgia Meloni, primeira-ministra da Itália. 
Para lideranças do setor, trata-se de uma decisão ideológica, que não encontra respaldo nem em evidências científicas, nem em argumentos de segurança pública.


“O cânhamo industrial cultivado na Itália é baseado em variedades certificadas, sem potencial psicoativo, e nunca esteve ligado a riscos de saúde, acidentes ou problemas de segurança. Pelo contrário: é um setor transparente, agrícola, regulado, com rastreabilidade completa”, reforçam as associações.


A indústria do cânhamo vinha crescendo de forma constante há quase uma década, especialmente entre pequenos e médios agricultores, cooperativas e jovens empreendedores. Estima-se que o setor movimentava centenas de milhões de euros por ano, com forte vocação para exportação e geração de valor regional.


Reações em cadeia


O clima entre os empresários é de revolta e desespero. “A partir de segunda-feira seremos obrigados a despedir trabalhadores. Nenhum empresário deveria ser forçado a dizer isso. Mas é a dura realidade imposta por este governo”, lamenta um produtor afetado, que preferiu não se identificar.


Para as organizações do setor, além de colocar o país na contramão de uma tendência global de regulamentação e aproveitamento industrial do cânhamo, o novo decreto poderá resultar em ações judiciais milionárias, inclusive por parte da União Europeia. “Estamos diante de uma violação do direito europeu e do princípio da concorrência leal. A Itália se expõe ao ridículo internacional com essa decisão”, alertam.


Promessas quebradas


A crítica mais dura foi dirigida à própria Giorgia Meloni, que em seu discurso de posse havia afirmado: “Não perturbaremos aqueles que querem fazer coisas.” Na prática, o que se vê é o contrário. “Este governo não só perturbou, destruiu, humilhou e colocou milhares de famílias na incerteza”, conclui a nota das entidades.

Apesar do choque, o setor afirma que não vai recuar. Movimentos de resistência estão sendo organizados em todo o país, tanto nos tribunais quanto nas ruas. As associações prometem lutar para reverter o decreto, proteger os empregos ameaçados e garantir o direito de produzir com base em leis estáveis e respeitáveis.


“Se o Estado pode transformar um trabalhador legal em criminoso da noite para o dia, nenhuma democracia está a salvo. Hoje é o cânhamo. Amanhã, quem será?”