Ministério da Saúde e ANVISA recebem Nota Técnica que identifica 481 entraves ao desenvolvimento científico da cannabis no Brasil
Documento desenvolvido por grupo com 31 instituições acadêmicas e de pesquisa brasileiras aponta entraves regulatórios e sugere marco ágil para fortalecer setor científico e tecnológico
Publicada em 15/08/2025

Grupo formado por 31 instituições acadêmicas e de pesquisa brasileiras — entregou ao Ministério da Saúde e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) uma Nota Técnica com recomendações para fortalecer a pesquisa com cannabis no Brasil. Imagem: Ca
O Grupo de Trabalho (GT) de Regulamentação Científica da Cannabis — formado por 31 instituições acadêmicas e de pesquisa brasileiras — entregou ao Ministério da Saúde e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) uma Nota Técnica com recomendações para fortalecer a pesquisa com cannabis no Brasil.
Ao todo, 132 pesquisadores participaram da consulta institucional, identificando 481 problemas e entraves que dificultam o desenvolvimento científico na área. Esses pontos foram analisados, agrupados e organizados em sete eixos temáticos. Para cada problema, foram propostas soluções acompanhadas de justificativas técnicas.
Entraves críticos identificados
O documento revelou obstáculos que afetam tanto a pesquisa básica quanto a aplicada — clínica, farmacêutica, veterinária, agronômica e outras. Entre eles:
- Burocracia e insegurança jurídica: Processos de autorização lentos, exigências desproporcionais e sobreposição de demandas de órgãos como ANVISA, MAPA, Ministério da Saúde, Polícia Federal e comitês internos;
- Acesso a insumos padronizados: Dificuldade de acesso a insumos padronizados, como canabinoides purificados, kits genéticos, extratos, sementes e cultivares;
- Restrições ao cultivo: Limites arbitrários de Tetrahidrocanabinol (THC) dificultam estudos comparativos e protocolos reprodutíveis;
- Burocracia no fluxo de materiais: Obstáculos à circulação de amostras entre instituições e incertezas sobre o uso de coprodutos e derivados;
- Pesquisas com animais de produção: Falta de protocolos claros para estudos veterinários e agropecuários;
“Esses entraves regulatórios criam um círculo vicioso: desestimulam pesquisadores, limitam a inovação e aprofundam a dependência tecnológica do Brasil em um setor estratégico”, aponta a nota técnica.
Impactos da regulamentação atual
O documento também critica pontos das resoluções da ANVISA (RDC 327/2019 e RDC 660/2022), que, segundo o GT, criam ambiguidades sobre níveis de THC, uso de nanotecnologia e vias de administração.
Para os pesquisadores, essas normas precisam ser revistas para garantir segurança jurídica e permitir que a ciência nacional avance. “As limitações impostas à produção comercial não podem se traduzir em barreiras para o desenvolvimento científico”, reforça o texto.
Propostas para mudar o cenário
Entre as soluções sugeridas está a criação de um marco regulatório ágil e eficiente, com incentivos estratégicos que transformem desafios em vantagens competitivas.
“Essa transformação permitiria superar a defasagem tecnológica e posicionar o Brasil como protagonista no cenário internacional da cannabis”, destaca a nota que vêm em um momento de regulamentação do cultivo de cannabis para fins exclusivamente medicinais, com data estipulada para a entrega em 30 de setembro de 2025.
Panorama da pesquisa e desafios para autorizações
Para construção da Nota, foi produzido levantamento Mapeamento de Pesquisadores e Instituições que Investigam Cannabis no Brasil, que revelou pontos importantes sobre o atual cenário do país.
Segundo o Mapeamento, o Nordeste lidera em número de centros de pesquisa, seguido pelo Sudeste. Juntas, as duas regiões concentram mais de 60% das instituições e mais da metade dos profissionais — incluindo professores, pesquisadores e pós-graduandos — dedicados a estudos com cannabis no país.
Em um contexto nacional, mais de 60 instituições de ciência e tecnologia (ICTs) atuam em pesquisas sobre a planta, com destaque para as universidades federais e estaduais. As áreas de estudo mais frequentes envolvem o desenvolvimento de produtos farmacêuticos, análises químicas e aplicações terapêuticas.
Quanto ao desenvolvimento de pesquisa no Brasil, as ICTs, como universidades e centros de pesquisa, representam cerca de 57% do total de organizações envolvidas. Já as associações de cannabis medicinal correspondem a 17%, enquanto indústrias, institutos, clínicas, conselhos municipais e a Polícia Federal somam 26%.
Apesar desse cenário, os dados sobre a Autorização Especial para Pesquisa (AEP) da ANVISA mostram que mais de 50% das instituições ainda estão em processo ou planejamento para obter a licença.