Mudanças administrativas na Argentina afetam cadeia produtiva da cannabis medicinal

Produtores e organizações relatam impactos após mudanças nos critérios de licenciamento, registros e fiscalização

Publicada em 28/07/2025

Produtores e organizações relatam impactos após mudanças nos critérios de licenciamento, registros e fiscalização

Agência Reguladora da Indústria do Cânhamo e da Cannabis Medicinal (ARICCAME) e o Instituto Nacional de Sementes (INASE) são extinguidos. Imagem: Canva Pro

Recentemente, o governo argentino de Javier Milei decidiu extinguir a Agência Reguladora da Indústria do Cânhamo e da Cannabis Medicinal (ARICCAME) e o Instituto Nacional de Sementes (INASE), criados pelas leis 27.669 e 20.247. Suas funções foram redistribuídas entre diferentes ministérios.

Embora o discurso oficial mencione o combate à “duplicação administrativa”, corte de gastos e maior eficiência, produtores de cannabis medicinal na Argentina, pacientes, cooperativas e cientistas enxergam a medida como um desmonte sem precedentes.

A medida foi publicada nos últimos dias que antecederam a vigência dos poderes delegados expirados em 8 de julho, o que permitiu ao Executivo avançar sem aval do Congresso. Segundo o ministro da Desregulamentação e Transformação do Estado, Federico Sturzenegger, esse foi um dos últimos atos possíveis por decreto.

 

A nova divisão de competências ficou assim:

 

- A ANMAT será responsável pela cannabis medicinal;

- O Ministério da Economia cuidará do cânhamo industrial;

- O Ministério da Agricultura ficará com a regulamentação de sementes.

 

Múltiplas licenças em risco com desorganização institucional


Com a dissolução da ARICCAME e do INASE, cerca de 101 entidades públicas foram extintas ou reestruturadas. No entanto, no setor da cannabis, isso trouxe um problema urgente: diversas licenças concedidas pelo INASE expiram em 31 de julho. Sem novos mecanismos de renovação, centenas de produtores podem ficar à margem da ilegalidade.

Frente ao vácuo regulatório, estados como Mendoza, Chubut, Misiones, Salta e Buenos Aires tentaram criar normas próprias. Contudo, sem apoio operacional federal, os esforços têm sido insuficientes para manter o setor funcional. Isso afetou cadastros, licenças e projetos de exportação já em andamento.

Karina Romanelli, da ONG Cultivo Mi Medicina (Bahía Blanca), relatou à Frente Acano que as novas regras obrigam as entidades a terem um diretor médico responsável por todos os pacientes.

Segundo ela, os custos são proibitivos: “Cobram 5 milhões de pesos por 50 pacientes, ou entre 10 e 15 mil pesos por paciente.” Para ONGs beneficentes, isso inviabiliza totalmente o funcionamento.

Romanelli criticou ainda o favorecimento de grandes corporações. “Querem nos descartar. Estamos há anos fazendo o trabalho que o Estado não faz”, disse.

A ONG denunciou os decretos como um retrocesso nas políticas de saúde pública. “O novo sistema expõe quem cultiva ao risco legal”, disse Romanelli, que articula uma rede provincial e busca apoio do prefeito Federico Susbielles.

 

Labirinto regulatório paralisa pesquisas e legalidade de sementes

 

O engenheiro agrônomo Eduardo Musacchio, professor da UBA, relatou ao Tiempo Argentino que a cadeia da cannabis medicinal na Argentina foi “engolida por um labirinto regulatório”.

Desde janeiro, o INASE exige aprovação do Ministério da Saúde para novas variedades, mas o Ministério não responde. Em março, passou-se a exigir uma licença da ARICCAME — que não se aplica à cannabis medicinal — para renovar autorizações.

Durante a intervenção da ARICCAME, foi criado um esquema simplificado para o cânhamo industrial, sem atender ao setor da cannabis medicinal. Em paralelo, a Resolução 3132/2024 restringiu o acesso ao REPROCANN ao exigir:

- Especialização médica;

- Ausência de antecedentes criminais em ONGs;

- Limitação de pacientes por produtor solidário.

- Mais de 100 mil pedidos acumulados transformaram o sistema num gargalo de acesso.

 

ANMAT sob críticas por falhas graves


A transferência da responsabilidade para a ANMAT gerou insegurança. A agência enfrenta cortes orçamentários, perda de técnicos e uma crise de reputação.

Casos graves, como o lote de fentanil contaminado que causou dezenas de mortes, evidenciam sua fragilidade. A ANMAT conta com apenas 20 inspetores para substâncias controladas, e muitos procedimentos foram suspensos por falta de pessoal.

 

Conteúdo publicado Originalmente em El Planteo