Proibição da flor de cânhamo na Itália une agricultores, juristas e setor canábico em reação inédita

Decreto do governo italiano reclassifica flores de cânhamo como entorpecentes e mobiliza frente unida em defesa de um setor sustentável e regulado

Publicada em 12/05/2025

Proibição da flor de cânhamo na Itália une agricultores, juristas e setor canábico em reação inédita

Governo Meloni proíbe flor de cânhamo e ameaça economia verde italiana | Imagem: CanvaPro

Uma medida recente do governo italiano acendeu o sinal de alerta para o setor do cânhamo no país e, em resposta, despertou uma mobilização rara e poderosa: representantes agrícolas, juristas e profissionais do setor se uniram publicamente para questionar a legalidade e os impactos da nova proibição das flores de cânhamo industrial.


A decisão foi tomada dentro do novo “Decreto de Segurança” do governo de Giorgia Meloni, e reclassifica as flores de cânhamo e compostos não psicotrópicos como CBD, CBG e CBN como substâncias estupefacientes, independentemente do teor de THC.

A Confederação da Agricultura Italiana (Cia) foi uma das primeiras a se manifestar, reunindo conselheiros agrícolas regionais para denunciar a decisão como “ideológica” e “destrutiva”. 

Em nota oficial, o porta-voz da entidade, Massimo Pica, declarou que a medida compromete "toda uma cadeia de abastecimento em pleno desenvolvimento", afetando não apenas os cultivadores, mas setores estratégicos como construção civil, bioplásticos e têxteis. “É uma escolha que não leva em consideração as evidências científicas e ignora a segurança e o potencial comprovado do cânhamo industrial”, disse.


Cânhamo não é maconha: o erro na base do decreto


No coração do debate está o artigo 18 do decreto, que simplesmente ignora a distinção entre cânhamo industrial (com baixo teor de THC) e variedades psicoativas da planta. A contradição com as diretrizes da União Europeia é flagrante: o bloco permite livre comércio de produtos de cânhamo com até 0,3% de THC,  padrão seguido por diversos países, inclusive o Brasil.


Para o setor, a equiparação do cânhamo ao entorpecente é um retrocesso jurídico que abre margem para insegurança regulatória e retaliações comerciais. “Essa confusão compromete a posição da Itália em setores-chave como materiais de base biológica e inovação verde”, alertou.

A tensão em torno do cânhamo na Itália não é nova. Em abril, o tribunal administrativo da região do Lácio já havia mantido a proibição nacional de produtos de CBD por via oral, citando o “princípio da precaução”, mesmo com amplo respaldo científico sobre a segurança do composto e seu reconhecimento como não psicotrópico pela própria UE.


A decisão frustrou juristas e defensores da regulamentação técnica da cannabis, que esperavam ver mais clareza e evidência científica nos julgamentos.


Em risco: empregos, empresas e a confiança no Estado


As consequências da nova onda de proibições são graves: estima-se que mais de 3.000 empresas e cerca de 30 mil empregos estejam ameaçados. A indústria do cânhamo na Itália movimenta aproximadamente € 2 bilhões, um número que pode ser pulverizado caso o decreto seja mantido.


“O profissional do cânhamo, que cumpre as regras e atua com transparência, não deve temer o Estado, deve ser apoiado por ele”, afirmou Mattia Cusani, representante da Canapa Sativa Itália, durante audiência na Comissão de Petições do Parlamento Europeu.


União Europeia pede explicações


A movimentação do governo italiano também chegou a Bruxelas. A Comissão Europeia abriu um período de 90 dias para que a Itália esclareça a medida, diante da possível violação do princípio de livre circulação de mercadorias entre países do bloco.


Enquanto isso, uma frente formada por associações como Canapa Sativa Italia, Resilienza Italia Onlus e Imprenditori Canapa Italia já iniciou campanhas jurídicas e políticas para reverter a proibição tanto em solo italiano quanto na esfera europeia.

Mais do que uma disputa sobre uma planta, a polêmica em torno do cânhamo na Itália revela um conflito maior entre ciência, economia sustentável e decisões políticas tomadas sem amplo debate. E é justamente esse ponto que mais une os críticos do decreto: a urgência de resgatar o diálogo democrático, técnico e baseado em evidências.


Para o setor canábico europeu e global, o que está em jogo é muito mais que a flor de cânhamo. É o futuro de uma economia verde que ainda luta por reconhecimento e espaço em políticas públicas mais racionais.