Resíduos da cannabis: oportunidade sustentável ou limbo jurídico?
Reaproveitamento dos resíduos da planta ainda esbarra em entraves legais e pode representar uma oportunidade sustentável desperdiçada, diz especialista
Publicada em 19/05/2025

Imagem: Canva Pro
Em um momento crucial para o futuro da cannabis no Brasil, com a iminente regulamentação do cultivo de cânhamo, uma discussão estratégica começa a ganhar força: o reaproveitamento dos resíduos da planta, gerados após a extração dos fitocanabinoides — os chamados bagaços ou tortas da planta.
Esses subprodutos, frequentemente descartados, possuem um potencial significativo tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico. No entanto, enfrentam um grande obstáculo, a ausência de regulamentação.
“Estamos em um limbo jurídico”, alerta especialista

“Esses resíduos ainda se encontram em uma espécie de ‘limbo jurídico’”, afirma Felipe Farias, presidente da Associação Reconstruir Cannabis Medicinal (ARCM), CEO da Liamba Comitiva P&D e fundador do Festival Delta9. Felipe será um dos palestrantes do módulo Agro e Tech Cannabis durante o 4º Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal, que acontece entre os dias 22 e 24 de maio de 2025, no Expo Center Norte, em São Paulo.
Segundo ele, a atual Lei de Drogas (11.343/2006) não diferencia com clareza os resíduos pós-extração — que já perderam seu potencial psicoativo — dos materiais com altos teores de canabinoides. “Isso significa que tortas ou bagaços da cannabis são tratados com a mesma rigidez legal que a planta in natura”, explica.
Essa lacuna na legislação acaba desestimulando o uso desses subprodutos, mesmo quando poderiam ser aplicados em alimentação animal, cosméticos, compostagem ou até na construção civil.
O congresso e o futuro da regulamentação
O tema será amplamente debatido no Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal, que se consolida como o maior evento da América Latina sobre o assunto. São esperados mais de 100 palestrantes nacionais e internacionais e cerca de 1.200 participantes, incluindo profissionais da saúde, pesquisadores, empresários e representantes do poder público.
O Módulo Agro e Tech Cannabis, uma parceria entre a Sechat e a Embrapa, traz uma visão prática e estratégica sobre o cultivo da cannabis medicinal e do cânhamo industrial no Brasil. Com programação durante todo o segundo dia de evento (23), especialistas apresentaram tecnologias, modelos produtivos, desafios regulatórios e o enorme potencial agroindustrial da cannabis no país.
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O cânhamo e a nova economia verde

Com a possível regulamentação do cultivo de cânhamo no Brasil, o aproveitamento integral da planta ganha novas perspectivas. Felipe Farias defende que o cânhamo pode ser uma ferramenta estratégica para a agricultura familiar e assentamentos rurais.
“É uma cultura de baixo impacto ambiental, com ciclo curto e que pode ser cultivada em diversos biomas, especialmente no semiárido, uma região ainda subutilizada”, afirma.
Ele sugere que instituições como Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Ministério da Agricultura, Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) atuem de forma coordenada para liberar o uso dos resíduos em setores como cosméticos, fibras têxteis, ração animal e regeneração de solo.
“Já temos iniciativas concretas, como a da própria ARCM e da Liamba Comitiva, que desenvolvem projetos em parceria com pesquisadores”, exemplifica.
Inovação no campo com maquinário
Felipe também destaca o avanço tecnológico na cadeia produtiva da cannabis. Um exemplo é a HERACAN, maquinário nacional desenvolvido em parceria com a Aço Brasil, que agiliza o desbaste e o processamento das fibras da planta.
“Esse tipo de equipamento facilita o dia a dia no campo, reduz o tempo de trabalho e aumenta a segurança do trabalhador rural”, explica. Ele ressalta que tais inovações geram demanda por uma regulamentação mais ágil e atualizada. “O que falta, muitas vezes, é o Estado acompanhar o ritmo da sociedade civil”, observa.
Sustentabilidade: mais valor por hectare
Felipe acredita que o aproveitamento integral da cannabis pode transformar a lógica econômica e ambiental do país. “Significa gerar mais valor por hectare, aumentar a renda por colheita e reduzir o impacto ambiental. Isso é fundamental para os pequenos produtores, tradicionalmente marginalizados.”
Um exemplo citado é um projeto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),que transforma resíduos da cannabis em tijolos sustentáveis — alternativa de moradia de baixo custo para zonas rurais.
"A regulamentação inteligente e baseada em evidências é o caminho para destravar todo o potencial econômico e social da cannabis no Brasil.", diz Daniel Jordão, diretor da Sechat.
Congresso como espaço de diálogo e soluções
Para Felipe, eventos como o Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal são essenciais. “Eles conectam todos os elos da cadeia produtiva — da base ao topo, incluindo instituições reguladoras. É onde conseguimos usar dados, ciência e a experiência das associações para propor caminhos concretos”, afirma.
Ele defende que a discussão sobre o uso dos resíduos da cannabis seja feita de forma ampla, participativa e baseada em evidências. “O Brasil tem potencial real para se tornar um dos maiores produtores e exportadores de cannabis e cânhamo do mundo. Mas, para isso, precisamos de regulamentação justa, clara e inclusiva.”
Durante o congresso, os visitantes também poderão participar da Medical Cannabis Fair, feira paralela voltada à exposição de produtos, serviços e soluções tecnológicas do setor. A feira deve atrair profissionais da saúde, investidores, startups e empresas de biotecnologia.
"A Medical Cannabis Fair e o Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal consolidam o Brasil como um dos polos mais relevantes na discussão global sobre o uso terapêutico e científico da cannabis.", finaliza Daniel Jordão, diretor da Sechat.