"A cannabis me deu a vida de volta", diz Carolina, que trocou a morfina pelo cultivo caseiro

Com mais de 15 anos de luta, ex-atleta encontra no tratamento com cannabis para dor crônica um novo caminho para viver com dignidade

Publicada em 08/05/2025

"A cannabis me deu a vida de volta", diz Carolina, que trocou a morfina pelo cultivo caseiro

Carolina Artez, paciente de cannabis medicinal e seu pet. Imagem: Arquivo pessoal Carolina Artez

Durante quase três décadas, a rotina de Carolina Artez girava em torno do esporte. Gaúcha, moradora de Porto Alegre e formada em Educação Física, ela começou a competir ainda criança. “Desde os três anos de idade, virei uma pessoa de competição. Primeiro com o basquete, depois com o padel. Sempre gostei muito da competição”, relembra.

Carolina Artez.jpg
Carolina Artez, paciente canábica. Imagem: Arquivo pessoal

Essa trajetória de alta performance, no entanto, mudou radicalmente em 2008, no dia em que completava 27 anos. Um tropeço na saída de casa foi o início de uma dor que nunca mais cessou. “Tropecei e bati as costas no chão. Na hora a dor foi pouca, mas com o passar dos dias eu não conseguia mais correr. A perna formigava, o músculo pesava", lembra ela.

Logo vieram os exames, a confirmação de duas hérnias na coluna e, posteriormente, uma cirurgia em 2009. “Durante 45 dias, minha rotina foi ficar deitada. Para quem tinha a vida muito ativa, foi um horror.” A Carolina esportista deu lugar à paciente crônica.

Coluna da paciente 2 .jpg
Raio-X da coluna de Carolina após parafusagem, em 2022. Imagem: Arquivo pessoal

A lista de procedimentos médicos cresceu: foram oito cirurgias no total, incluindo uma parafusagem na coluna e até uma intervenção para retirar uma veia safena. “A cirurgia da coluna, os médicos dizem que é uma das piores. Mas no meu caso, não tinha mais solução”.

Junto à dor, chegaram os remédios, “quase que ópio puro", relembra ao destacar a morfina como o pior deles. O bloqueio analgésico com lidocaína também não funcionava e as saídas e entradas do hospital eram constantes.

Com a saúde física abalada, a saúde mental seguiu pelo mesmo caminho. Nunca diagnosticada, Carolina sabe que viveu momentos de intensa depressão. "A tristeza era enorme. Eu era uma pessoa que corria meia maratona e em pouco tempo tudo isso foi tirado de mim", comenta a paciente, que de pouco em pouco foi reconquistando sua vida.  

 

O início do tratamento com cannabis para dor crônica

 

Foi em 2012 que Carolina decidiu buscar alternativas. Pesquisando na internet, ela encontrou na cannabis uma possível aliada. “Descobri que a cannabis era uma das primeiras opções para dor crônica. O problema é que no Brasil não era opção nenhuma. Como que eu fiz? Fui pra praça e comecei meu tratamento com prensado”.

O efeito foi imediato. na primeira tragada já sentiu um relaxamento muscular, as dores diminuíram e uma certa alegria surgiu em seu olhar. Com o aval de seus médicos, a mudança foi visível com o uso da planta. “Minha vida melhorou muito, voltei a interagir, a namorar, a ter esperança”.

 

Acesso legal à cannabis e conquista do Habeas Corpus

 

Auto cultivo paciente.jpg
Cultivo legal da paciente. Imagem: Arquivo pessoal

Em 2019, após sete anos fazendo uso da cannabis recreativa, ela conheceu o trabalho das associações de pacientes e a possibilidade de acesso legal ao tratamento. No ano seguinte, conquistou o Habeas Corpus que lhe garantia o direito de cultivar cannabis em casa.

“Fui uma das 500 primeiras HCs sobre cannabis do Brasil. Já ganhei duas vezes. Minha primeira decisão foi derrubada e, com a ajuda de meu advogado, Gabriel Pietricovsky, na segunda vez, de 12 plantas passei a poder cultivar 48. No fim, saí com vantagem”.

 

Estigma, denúncias e resistência

 

Desafiadora, sua jornada marcada por vitórias e superações, também conta com muito preconceito, medo e desistências. Durante a pandemia, vizinhos passaram a denunciá-la por causa do cheiro da planta, o que a levou a deixar seu antigo apartamento.

“Me chamavam de um monte de coisa. Foi uma perseguição. Tive que pedir ajuda pra polícia e depois de muita luta acabei saindo do apartamento”. Hoje, já em sua nova moradia, ela cultiva suas plantas e seu próprio remédio.

Seu tratamento inclui canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC), com uso diário de óleos e vaporização nos momentos de crise. “No meu caso, não adianta só CBD, tem que ter THC junto. Hoje uso o vaporizador por redução de danos e as gotinhas todo dia”.

Mesmo utilizando cannabis, Carolina ainda precisa, ocasionalmente, de opioides. “Às vezes, a crise é muito violenta. Mas é a cannabis que me resolve”. Ela também precisou lidar com uma trombose e uma cirurgia no rim, mas não perdeu o ânimo.

 

Se reinventar para continuar  

 

pciente 2.jpg
Carolina Artez (esquerda da foto) e seu grupo de teatro. Imagem: Arquivo pessoal

 

Sem poder praticar esportes, encontrou novas formas de expressão e sustento: formou-se na oficina de atores do Rio de Janeiro e Landel de Moura (RS) para ser locutora de rádio e TV, fez publicidade e propaganda, dublagem, atuou como modelo e fotógrafa. “Faz 15 anos que estou na luta. Faço bicos, me dedico ao máximo para continuar vivendo, mesmo de vez em quando precisando ficar deitada durante dias.”

Carolina é acompanhada por uma psicóloga, algo destacado como essencial na sua trajetória. Conquistou uma vida social ativa e descobriu, recentemente, ser portadora do espectro autista, algo encarado com tranquilidade.

 

Doutor explica

 

No quadro "Como é Dr.", o médico geriatra e nutrólogo, Dr. Paulo Casali, explica como os canabinoides auxiliam pacientes que sofrem de dor crônica, levando a uma melhora dos sintomas e da qualidade de vida.