Cannabis e Síndrome de Tourette: a história de um menino que virou símbolo de uma luta escondida
Com apenas 11 anos, Nicolas Matias inspirou um projeto de lei que pode transformar a vida de milhares de brasileiros com Síndrome de Tourette. Em sua jornada, a cannabis surge como esperança, cura e voz
Publicada em 10/07/2025

Nicolas Matias, Nagila Rocha e Nicole em viagem de família. Imagem Arquivo pessoal
Nicolas Matias tem apenas 11 anos, mas já representa uma virada na forma como o Brasil enxerga a Síndrome de Tourette, condição neurológica ainda cercada de desinformação, preconceito e, muitas vezes, ridicularização. A história do menino não apenas chamou atenção das redes sociais, mas também inspirou a criação do Projeto de Lei 1376/2025, conhecido como Lei Nicolas Matias, que propõe uma política nacional de atenção integral às pessoas com a condição.
No centro dessa transformação está também a cannabis, que entrou na vida de Nicolas como quem abre uma nova janela, silenciosa, mas potente, para o alívio e a dignidade.
Um perfil para proteger, um perfil para ensinar
Tudo começou com um gesto de proteção. Criado pela mãe, Nágila Rocha, o perfil @vivendocomtourette no Instagram foi pensado como um escudo. “O perfil veio para que, quando ele chegasse em algum lugar xingando, ninguém ficasse surpreso. Até então, era uma síndrome pouco falada. Muita gente olhava com estranheza e julgamento”, conta.
Hoje, o perfil soma mais de 552 mil seguidores, reunindo pessoas que compartilham, aprendem e se emocionam com a jornada de Nicolas.
Gritos, dores e a busca por respostas

A Síndrome de Tourette, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), atinge cerca de 1% da população mundial. Ela é marcada por tiques motores e vocais involuntários, como gritos, gestos bruscos e o uso involuntário de palavrões (coprolalia). Em Nicolas, os primeiros sinais surgiram aos 9 anos. Pequenos gritos, depois a repetição excessiva de tudo o que ouvia.
O diagnóstico veio quase por acaso, quando um psiquiatra passava por um corredor de hospital e, ao ver o menino em crise, reconheceu os sintomas. Até então, a família vivia um cotidiano de incertezas, cansaço e dores físicas causadas pelos espasmos e movimentos involuntários.
A mudança de cidade e o encontro com a cannabis
A busca por melhores condições levou a família a deixar Macapá, no Amapá, e se mudar para Belém do Pará, onde Nicolas passou a frequentar psicólogo e terapeuta ocupacional duas vezes por semana. Mas foi apenas seis meses atrás que uma virada real aconteceu, ao iniciar o uso da cannabis medicinal.

Apresentada por uma amiga que tratava o filho com Transtorno do Espectro Autista (TEA), a planta foi introduzida na rotina do garoto aos poucos — uma gota, depois duas, três... até que os resultados se tornaram visíveis.
Tiques severos desapareceram, como o chamado "tique do touro", em que o menino jogava com força a cabeça e o tronco em direção ao chão. Os gritos intensos se tornaram raros. Embora alguns sintomas persistam, como os palavrões e movimentos no pescoço, eles passaram a ser controláveis com gomas ricas em tetra-hidrocanabinol (THC), outro composto presente na cannabis.
Os resultados positivos alcançados por Matias incentivaram toda a família a iniciar o tratamento com cannabis medicinal. Nágila passou a utilizar a planta no controle da ansiedade e na perda de peso. O tio, diagnosticado com TDAH, encontrou um aliado para aliviar os sintomas do transtorno. Já a avó, que convive com o Parkinson, também apresentou melhoras significativas desde que incorporou o extrato à sua rotina de cuidados.
Em gravação para o Portal Sechat, a médica Caliandra Alves explicou como a cannabis pode auxiliar na Sindrome de Tourette. Confirma o vídeo a baixo:
Preconceito ainda é barreira
Apesar das melhorias, o preconceito persiste. “Outro dia uma pessoa comentou assim: ‘Você sabe que isso que você está fazendo vai fazer com que seu filho no futuro fume maconha, né?’”, relata a mãe. “Não percebem que é um medicamento que está fazendo bem”.
A cannabis medicinal ainda que possível no Brasil, segue envolta em estigmas e falta de informação — especialmente quando usada em contextos infantis. Casos como o de Nicolas ajudam a derrubar essas barreiras, com informação, coragem e afeto.
Lei Nicolas Matias: política pública com nome e história
Inspirada pela trajetória de Nicolas, a deputada Delegada Katarina (PSD-SE) apresentou o Projeto de Lei 1376/2025, batizado com o nome do menino. A proposta prevê a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Síndrome de Tourette, com ações voltadas ao diagnóstico precoce, acesso a tratamento, inclusão escolar e no mercado de trabalho.
Em maio de 2025, o projeto foi aprovado na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados. Agora, segue para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de ser votado pela Câmara e pelo Senado.
Se aprovada, a política deve garantir atendimento multiprofissional, acesso a terapias complementares como a cannabis medicinal, e fomentar pesquisas científicas sobre a síndrome, ampliando as possibilidades de cuidado e dignidade para quem convive com ela.