A importância da ciência para a prescrição de cannabinoides
O que os profissionais de saúde devem considerar para receitar um tratamento eficiente
Publicada em 24/05/2024
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Os palestrantes da primeira mesa de debate do segundo dia do Congresso Brasileiro de Cannabis medicinal, promovido pelo Sechat em São Paulo, relembraram que o início de suas jornadas de estudos em relação a planta eram ainda muito inseguros em relação aos resultados clínicos, mas que o contato com as pesquisas, o entendimento do (SEC) Sistema Endocanabinoide e da planta em si, foram fundamentais para mudança de visão em relação ao tratamento.
“Eu confesso que tinha muita resistência e preconceito, sempre entendi a medicina baseada em evidências científicas, mas observar os relatos instigou minha curiosidade, e quando me lancei as estudos para conhecer o SEC e os efeitos da planta na relação com esse sistema, tudo mudou, e hoje a cannabis em muitos casos entra como primeira opção no consultório. Converso com as pacientes, no meu caso de ginecologia, e muitas vezes a cannabis é a melhor indicação e os resultados se apresentam”, conta Mariana Prado, médica ginecologista que integrou o debate.
A prescrição de canabinoides, como o CBD (canabidiol) e o THC (tetrahidrocanabinol), exige um rigoroso embasamento científico para assegurar a segurança e eficácia do tratamento. Porém, a forma de se fazer pesquisa com a planta é diferente.
“O processo pelo qual a cannabis se torna um medicamento é diferente do convencional. Geralmente as indicações partem das evidências durante a formulação do medicamento. Com a cannabis as evidências surgem muitas vezes de produtos que não são regulamentados. Isso é um contraponto na forma de fazer ciência”, destaca Fabricio Pamplona, farmacêutico e Doutor em Farmacologia dos Canabinoides.
Pesquisa Clínica e Evidências Científicas
No Brasil, a crescente aceitação dos produtos à base de cannabis, principalmente para tratar transtornos de ansiedade e epilepsia, destaca a importância de uma compreensão profunda sobre os mecanismos de ação, dosagens adequadas e potenciais efeitos colaterais.
Fabrício reforça que ainda que as pesquisas com a planta sejam do início da década de 60, o uso da cannabis é milenar, por isso, a forma de fazer pesquisa com a cannabis é diferente, pois a resposta ao tratamento é individual. No Brasil, a crescente aceitação dos produtos à base de cannabis, principalmente para tratar transtornos de ansiedade e epilepsia, destaca a importância de uma compreensão profunda sobre os mecanismos de ação, dosagens adequadas e potenciais efeitos colaterais.
“Quando se fala de cannabis, muitos médicos reconhecem que tem efeito, mas que não tem evidência. Sim, há poucos estudos randomizados controlados, porém isso não indica que não há evidência, pois há evidências de diferentes graus. O documento revisado que foi aprovado pela Anvisa, a RDC 327, traz evidências de epilepsia e esclerose, mas não por acaso estão vinculados a medicamentos aprovados ANVISA, isso é o que a agência entende como medicamento que funciona, porém, reconhece também que o CBD tem resultado para outras patologias como ansiedade, por exemplo. Ou seja, mesmo sem evidência científica, a Anvisa reconhece que existe resultado do uso de derivados de cannabis para outras patologias”, complementa Fabrício.
Segurança e Efeitos Colaterais
A base para a prescrição segura de canabinoides está para além dos estudos clínicos, entender o SEC e conhecer os compostos químicos da planta é fundamental.
“Não há como prescrever cannabis sem entender o SEC, eu quando comecei a prescrever não tinha pleno entendimento. Porém, os resultados não eram o que eu esperava, e quando eu passei a ter conhecimento sobre a planta, visitando inclusive cultivos, eu percebi que conhecer a planta é fundamental. A cannabis é um fitocomposto, pois não se trata de uma substância, é um conjunto de substâncias, uma gama terapêutica muito maior. A prescrição segura e eficiente está em entender a planta e o SEC, pois cada pessoa tem uma resposta. É preciso acertar a dose de acordo com cada paciente e ensinar o paciente a ser ativo no seu tratamento”, explica o médico especialista em medicina canábica e fundador da Cannabis Academy, Wellington Briques.
Entender como os canabinoides interagem com o corpo humano é vital para monitorar seus efeitos colaterais. Além disso, conhecer a interação dos canabinoides com outros medicamentos, deve ser cuidadosamente avaliado para evitar complicações. Por isso, saber como os canabinoides são absorvidos, distribuídos, metabolizados e excretados é essencial para determinar a dosagem e a via de administração mais adequada.
“Se durante milênios a cannabis foi usada sem entender o SEC, sendo usada de uma forma mais artesanal, a partir do momento que se estuda o SEC e os canabinoides da planta, é possível compreender o funcionamento desses canabinoides no organismo, e isso muda tudo”, pontua o mediador do debate e neurocirurgião, Dr. Pedro Pierro.
Segurança dos produtos de cannabis
Pensar na qualidade dos produtos é essencial para o resultado. Analisar o teste de qualidade, entender a composição dos canabinoides em cada frasco, calcular a dosagem, que varia de paciente para paciente, pensar se o produto é isolado ou sintético, são fatores que devem ser considerados antes da prescrição.
“A cannabis não tem como ser patenteada, a não ser que se isole o canabinoide, então a forma de regular produtos e fazer pesquisa com cannabis deverá ser diferente”, destaca Dr. Briques.
Fabricio reforça sobre a importância da comunidade médica relatar os casos de tratamento com os produtos para além dos autorizados pela Anvisa, pois são evidências que ajudam a pensar nas novas formas de se fazer pesquisa.
“Ciência não é uma crença, ciência é uma prática que deve ser aceita ou contestada. Ela segue mudando e por isso, novos resultados são apresentados, esse Congresso promove esse debate, os avanços das pesquisas e essa troca entre os médicos e pesquisadores”, finaliza Dr. Pedro Pierro.