Cães resistentes de Chernobyl e o papel do cânhamo na descontaminação do solo
Estudos revelam adaptação genética inédita nos cães da zona de exclusão e apontam o cânhamo como alternativa viável para restaurar áreas contaminadas
Publicada em 15/08/2025

Imagem ilustrativa: Canva Pro
Quase quatro décadas após o desastre nuclear de 1986, cães que vivem na zona de exclusão de Chernobyl exibem um fenômeno genético inédito: resistência incomum ao câncer e mecanismos celulares aprimorados para sobreviver a um dos ambientes mais radioativos do planeta.
O estudo, publicado na revista Science Advances e liderado por Gabriella J. Spatola e Timothy A. Mousseau, analisou 302 amostras de sangue de cães que habitam três regiões distintas: a usina nuclear, a cidade de Chernobyl (15 km do epicentro) e Slavutych (45 km do local do acidente).
Herança e isolamento
Após a explosão do reator 4, em 26 de abril de 1986, mais de 2.600 km² foram contaminados por materiais como césio-137 e iodo-131, forçando a evacuação de milhares de pessoas e deixando para trás inúmeros animais domésticos. Sem presença humana constante, esses cães formaram populações que convivem com lobos, javalis e cavalos selvagens.
A análise genética revelou 15 linhagens, com influência de raças como pastor alemão, boxer e rottweiler. Cães próximos à usina têm baixa diversidade genética, fruto de poucos indivíduos fundadores, enquanto os de Slavutych apresentam traços de raças domésticas modernas, possivelmente introduzidas recentemente.
Evolução sob radiação
Em vez das mutações aleatórias típicas da exposição intensa à radiação, os cientistas encontraram alterações específicas em mais de 390 regiões do genoma, relacionadas a reparo avançado de DNA e fortalecimento do sistema imunológico.
Essas mudanças sugerem que a seleção natural favoreceu animais mais resistentes à degradação celular e ao câncer. Pesquisas anteriores com lobos da região, conduzidas por Cara Love, já haviam identificado padrões semelhantes de resistência oncológica.
Potencial para o futuro
Os resultados têm implicações diretas para:
- Oncologia: desenvolvimento de novas estratégias de prevenção e tratamento do câncer;
- Saúde ambiental: compreensão de mecanismos de sobrevivência em áreas contaminadas;
- Exploração espacial: preparação de astronautas para missões prolongadas em ambientes hostis, como Marte.
Os pesquisadores planejam expandir os estudos para avaliar o sistema imunológico dos cães, a presença de parasitas e possíveis efeitos epigenéticos — alterações na expressão genética provocadas por fatores ambientais.
Hoje, esses cães sobrevivem entre prédios abandonados e trilhos enferrujados, alimentando-se de restos deixados por visitantes ocasionais. Mais do que simples sobreviventes, tornaram-se símbolos vivos de adaptação e esperança científica. Pesquisas voltadas para o cânhamo mostram que a planta pode ajudar na descontaminação do solo.
Cânhamo pode ser aliado na descontaminação do solo de Chernobyl
Enquanto pesquisas recentes revelam que cães da zona de exclusão desenvolveram resistência genética incomum à radiação, outra estratégia de recuperação ambiental também pode ganhar protagonismo: o uso do cânhamo para fitorremediação, técnica que utiliza plantas para remover contaminantes do solo.
A ideia não é nova. Em 1999, a empresa americana de biotecnologia Phytotech, em parceria com a Academia Ucraniana de Ciências Agrárias, plantou cânhamo em áreas próximas à usina para avaliar sua capacidade de absorver elementos radioativos, como o césio-137. O experimento mostrou que a planta conseguiu extrair cerca de 1% do césio presente no solo. Embora o índice pareça modesto, especialistas consideraram o resultado promissor, especialmente quando associado a outros métodos de recuperação ambiental.
O cânhamo tem vantagens únicas: cresce rapidamente, possui raízes profundas capazes de alcançar camadas contaminadas e pode ser cultivado sem agrotóxicos. Em Chernobyl, a fibra obtida foi considerada limpa, mas as partes contaminadas foram incineradas em um sistema lacrado, retendo as cinzas radioativas.
Experiências semelhantes ocorreram em outros lugares do mundo. Na Espanha, moradores de Palomares propuseram usar o cânhamo para remover plutônio deixado por um acidente com bombas nucleares em 1966. Já na Itália, agricultores da cidade de Taranto utilizam a planta para extrair metais pesados do solo afetado pela indústria do aço, ao mesmo tempo em que movimentam uma cadeia produtiva baseada no cânhamo.
Nos Estados Unidos, testes na Pensilvânia comprovaram que o cânhamo pode limpar solos contaminados por resíduos de minas de carvão sem comprometer a segurança do canabidiol (CBD) extraído da planta, apontando um potencial duplo: descontaminação e produção segura para uso medicinal.
Especialistas acreditam que o cânhamo poderia ser reintroduzido na zona de exclusão de Chernobyl como parte de um programa de restauração ambiental, ajudando a reduzir a presença de metais pesados e isótopos radioativos, enquanto novas tecnologias e estudos genéticos sobre os animais locais avançam.
Linha fina: Texto inspirado nas matérias de O Globo, DefesaNet e The Green Hub.