Estudo da UnB avalia padrão de qualidade de produção artesanal de cannabis medicinal
Pesquisa inédita comprova eficácia e precisão do “Método Herbalista” e reforça papel das associações no desenvolvimento científica do Brasil
Publicada em 07/05/2025

Pesquisador Pedro Nicoletti, responsável pelo “Método Herbalista”. Imagem: Arquivo pessoal
Uma pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) revelou que a produção artesanal de cannabis medicinal pode atingir padrões de qualidade, com precisão nos canabinoides, compatível com os requisitos terapêuticos exigidos por farmacopeias nacionais e internacionais. O estudo amplia as possibilidades para associações, pacientes e pesquisadores brasileiros que atuam fora da indústria.
O que é o “Método Herbalista”?
Utilizando extratos nativos de espectro completo e equipamentos acessíveis, a técnica permite a padronização dos principais compostos da cannabis — como o THC e o CBD — sem depender de estruturas industriais. Batizado de “Método Herbalista”, o processo foi idealizado pelo pesquisador Pedro Nicoletti, que propõe a criação de Derivados Fitocomplexos Combinados (DFC), com perfis químicos controlados a partir dos chamados Extratos Nativos Completos (ENC).
Inspirado por práticas tradicionais de composição de fitoterápicos, o método utiliza fundamentos da ciência da formulação e atende às exigências das farmacopeias brasileira e europeia.
“A qualidade em precisão e consistência não é exclusividade da indústria”, afirma Nicoletti. “É possível alcançar rigor técnico com simplicidade, oferecendo respaldo científico a pequenos produtores, farmácias de manipulação e associações que enfrentam barreiras regulatórias desproporcionais”, continua.
Validação científica e impacto regulatório

O método foi testado no Instituto de Química da UnB, e validado pelo laboratório Central Crom, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Os resultados demonstraram consistência.
A primeira etapa da pesquisa foi realizada sem financiamento externo, com apoio de uma bolsa do CNPq, mas Nicoletti busca parcerias para expandir os testes e reforçar a robustez científica do método. “Pretendo contar com meus alunos do programa de capacitação e com universidades parceiras para ampliar os estudos”, destaca o pesquisador.
Consistência, descentralização e legitimidade científica

Uma das principais críticas à produção artesanal, a falta de consistência entre lotes, foi rebatida no estudo. Nicoletti analisou discursos públicos e concluiu que a inconsistência decorre da falta de pesquisa, e não de falhas estruturais da produção artesanal.
“O método dá previsibilidade aos marcadores químicos dos extratos, rompendo o ciclo vicioso que deslegitima a produção local por ausência de dados — justamente causada pela falta de investimento em pesquisa”, argumenta.
Com essa padronização, os extratos artesanais podem ser utilizados em ensaios clínicos, o que fortalece a base científica para comprovar sua eficácia terapêutica.
Manual e ensaios clínicos
Ainda neste primeiro semestre de 2025, será lançado um manual prático do “Método Herbalista”, reunindo fundamentos científicos e protocolos acessíveis a associações, farmácias e produtores autônomos.
“Esse livro será uma ferramenta de autonomia para quem busca qualidade sem depender da indústria”, diz Nicoletti.
Mesmo exigindo etapas laboratoriais complementares, a metodologia já permite a realização de estudos clínicos com extratos não industrializados, o que representa um avanço estratégico para a legitimação científica da produção artesanal no Brasil.
Cultura canábica, ciência e regulação inclusiva
O “Método Herbalista” também se alinha aos princípios da cultura canábica de legado, que valoriza práticas comunitárias e saberes tradicionais. “O que desenvolvemos é uma tecnologia social: uma ponte entre o saber tradicional e os critérios da ciência moderna. A proposta é de uma regulação inclusiva, conectada com a realidade brasileira, nossa biodiversidade e cultura científica”, afirma Nicoletti.
Ele reforça que o objetivo não é transferir o monopólio da cannabis a grandes grupos — nacionais ou estrangeiros — mas sim descentralizar o conhecimento e a capacidade de produção.