Estudo da Uece analisa uso do CBD no tratamento de crianças com TEA
Financiada pelo Ministério da Saúde, pesquisa revela melhora em sintomas como agitação e comportamentos repetitivos, mas destaca a necessidade de mais ensaios clínicos
Publicada em 16/07/2025

Projeto reuniu evidências científicas sobre o uso medicinal do canabidiol em crianças e adolescentes com TEA. Imagem: Canva Pro
Khevin Miguel Roldan Martins tem apenas 8 anos, mas já constrói universos. Diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), ele se expressa com uma criatividade incomum para sua idade. Em seu canal no YouTube, compartilha animações, aventuras em jogos e roteiros próprios.
Fora das telas, no entanto, o cenário era bem diferente: dificuldade de socialização, episódios de agressividade e um silêncio que dominava até mesmo os brinquedos.
Foi nesse intervalo entre o mundo virtual e o real que a cannabis medicinal entrou na vida de Khevin. Desde que iniciou o uso do canabidiol (CBD) — um composto derivado da Cannabis sativa L. — sua família passou a notar mudanças significativas. “Agora ele cria brincadeiras fora do computador. Uma noite me disse: ‘Mãe, tive uma ideia para uma animação’. Levantou, escreveu um roteiro e foi dormir”, conta Juliany Cristiny Roldan, sua mãe.
Com o objetivo de impactar positivamente a vida de pacientes como Khevin, um projeto de pesquisa desenvolvido na Universidade Estadual do Ceará (Uece) reuniu evidências científicas sobre o uso medicinal do canabidiol em crianças e adolescentes com TEA. A pesquisa, aprovada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e financiada pelo Ministério da Saúde, por meio do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit/SECTICS/MS), foi recentemente concluída e agora entra na fase de divulgação dos resultados.
Resultados preliminares: melhora em sintomas comportamentais
Segundo o coordenador do estudo, professor Gislei Aragão, os dados apontam que o CBD pode ter efeitos positivos em sintomas como agitação, comportamentos disruptivos e padrões repetitivos. Essas melhorias foram especialmente percebidas a partir de relatos de familiares de pacientes com TEA.
“A cannabis medicinal apresenta efeitos promissores, mas os estudos disponíveis ainda têm qualidade variável. Os efeitos adversos, quando aparecem, são geralmente leves, como sonolência ou perda de apetite”, explica Gislei em nota do Governo do Ceará.
O que é o Transtorno do Espectro Autista (TEA)?
O TEA é uma condição do neurodesenvolvimento que afeta a comunicação, a interação social e o comportamento. De acordo com o DSM-5 — principal manual diagnóstico da psiquiatria — o transtorno abrange quadros como Transtorno Autista, Síndrome de Asperger, Transtorno Desintegrativo da Infância e PDD-NOS.
Os tratamentos farmacológicos convencionais costumam apresentar eficácia limitada e frequentemente estão associados a efeitos colaterais relevantes, o que tem impulsionado a busca por alternativas terapêuticas, como os fitocanabinoides.
O sistema endocanabinoide (SEC), alvo da ação da cannabis medicinal, regula funções neurológicas essenciais. Estudos sugerem que o CBD atua em áreas como o tálamo, a medula e o lobo temporal — regiões que costumam apresentar alterações em pessoas com TEA.
Cannabis medicinal e os desafios da ciência brasileira
A equipe de pesquisadores pretendia inicialmente realizar uma revisão sistemática com metanálise — método que permite reunir estatisticamente os resultados de diversos estudos clínicos. No entanto, a diversidade metodológica das pesquisas existentes impossibilitou essa abordagem.
“A alta heterogeneidade foi o principal desafio: diferenças nas formulações de CBD, nas dosagens utilizadas, nas escalas de avaliação e nos perfis dos participantes dificultaram a consolidação de uma análise estatística confiável”, ressalta Aragão.
Apesar disso, o estudo representou um avanço significativo no mapeamento científico sobre o uso da cannabis medicinal no tratamento do TEA no Brasil.
Entre a esperança e a cautela
Diante das limitações para realizar a metanálise, os pesquisadores optaram por uma análise qualitativa aprofundada, que permitiu identificar lacunas, tendências e caminhos futuros.
“A ciência é um processo em constante construção. Mudanças de rota não fragilizam a pesquisa — pelo contrário, evidenciam nosso compromisso com o rigor metodológico”, afirma o professor Gislei.
O grupo enfatiza a necessidade urgente de mais estudos clínicos controlados e de alta qualidade no Brasil. Embora a cannabis medicinal represente uma alternativa promissora, seu uso deve sempre ser orientado por profissionais de saúde qualificados.
Próximos passos e divulgação pública
Os resultados serão submetidos a periódicos científicos ainda este ano. Paralelamente, a Uece organizará seminários presenciais nas cidades de Fortaleza, Crateús, Redenção e Cariri, com o objetivo de apresentar os achados à sociedade.
O estudo foi conduzido pelos professores da Uece Gislei Frota Aragão, Carla Barbosa Brandão, Valter Cordeiro Barbosa Filho, Paulo Sávio Fontenele Magalhães e Cidianna Emanuelly Melo do Nascimento, com a colaboração da professora Kelly Rose Tavares Neves, da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Também participaram os pesquisadores do Laboratório de Neuroinflamação e Neurotoxicologia (Lanit/Genit/Uece): Iara Vasconcelos, Madna Freitas, Renê Freitas, Quezia Jones, Maria Helena Pitombeira e Ruth Maria Moraes.
Com informações do Governo do Ceará