Síndrome de Hiperêmese Canabinoide: o paradoxo da cannabis que causa vômitos incoercíveis
Apesar das conhecidas propriedades antieméticas da cannabis, uso crônico pode desencadear condição grave e de difícil diagnóstico, alerta especialistas
Publicada em 21/07/2025

Imagem Ilustrativa: Canva Pro
Embora seja amplamente reconhecida por suas propriedades antieméticas, a cannabis pode, paradoxalmente, provocar episódios graves de náuseas e vômitos em usuários crônicos. Trata-se da Síndrome de Hiperêmese Canabinoide (SHC), um distúrbio ainda pouco compreendido e frequentemente confundido com problemas gastrointestinais comuns, como gastrite ou refluxo.
A SHC é caracterizada por crises recorrentes de vômitos incoercíveis, náuseas intensas e dor abdominal difusa, que podem levar à desidratação, perda de peso, distúrbios eletrolíticos e internações repetidas. Segundo especialistas, a síndrome afeta principalmente indivíduos que utilizam altas doses de THC por meio do consumo fumado e crônico da cannabis.
E agora, dr.?

O ortopedista Jimmy Fardin explica que o THC, principal componente psicoativo da cannabis, exerce efeitos complexos sobre o organismo. "Apesar do seu efeito antiemético em doses controladas, o uso prolongado pode causar uma dessensibilização dos receptores canabinoides do tipo 1 (CB1), responsáveis por inibir o reflexo do vômito", afirma.
Além disso, o THC possui natureza lipofílica, ou seja, acumula-se no tecido adiposo e pode ser liberado de forma lenta e prolongada, intensificando o estímulo sobre esses receptores. Uma das teorias mais aceitas é que o acúmulo dessas substâncias nos lipídios corporais, somado a fatores como o jejum ou exercício físico intenso, pode provocar uma espécie de "intoxicação interna".
Sabia disso?
Outro ponto curioso é o comportamento aprendido de buscar banhos quentes durante as crises. A prática, relatada por muitos pacientes, parece oferecer um alívio temporário dos sintomas. Isso pode estar relacionado à atuação do THC sobre o hipotálamo, região do cérebro que regula tanto a temperatura corporal quanto o centro do vômito.
A SHC evolui em três fases: pródromica, com náuseas e desconfortos leves; hiperemética, quando os vômitos se intensificam e ocorrem várias vezes por hora; e a fase de recuperação, que surge após a suspensão do uso da cannabis. A fase hiperemética costuma durar até 48 horas e exige atendimento médico imediato.
Risco de arritmias cardíacas

Segundo a pediatra Lays Mello, o não reconhecimento da síndrome pode agravar ainda mais o quadro clínico. "A desidratação intensa pode levar a insuficiência renal aguda, hipocalemia — com risco de arritmias cardíacas — e até complicações como pneumotórax", alerta. Em casos extremos, o esforço repetido para vomitar pode até causar pneumomediastino, uma condição potencialmente grave.
O tratamento da SHC é majoritariamente suporte clínico: hidratação intravenosa, correção de eletrólitos, controle da dor e antieméticos. No entanto, drogas como ondansetrona e metoclopramida têm pouca eficácia. "O mais importante é a suspensão imediata do uso de cannabis, única medida comprovadamente eficaz para cessar os episódios", reforça Mello.
Embora ainda não exista um consenso definitivo sobre os mecanismos fisiopatológicos da SHC, estudos sugerem que outros canabinoides, como o canabidiol (CBD) e o canabigerol (CBG), também influenciam os sintomas. O CBD, por exemplo, atua como agonista parcial no receptor 5-HT1A e pode ter efeito antiemético em doses baixas. No entanto, em doses elevadas, o mesmo composto pode induzir vômito.
O potencial do CBG
Já o CBG, de acordo com Fardin, atua como antagonista dos receptores CB1 e 5-HT1A, o que reverte os efeitos antieméticos do CBD, potencializando a resposta emética. Esse cenário complexo reforça a importância de abordagens clínicas individualizadas e maior conscientização sobre os efeitos adversos da cannabis quando usada de forma crônica e desregulada.
Enquanto cresce o número de pacientes em busca de tratamentos com derivados da cannabis, médicos e usuários precisam estar atentos aos efeitos paradoxais que podem surgir, mesmo de uma substância amplamente conhecida por seus benefícios terapêuticos.