Cânhamo: a planta que não entorpece, mas pode curar e construir
Para o pesquisador da USP, Pedro Gabriel Lopes, a liberação do cânhamo pelo STJ é respaldada por convenções internacionais e pode ampliar o acesso à saúde, sem riscos de dependência por conta da baixa concentração de THC
Publicada em 21/05/2025

“O cânhamo não é uma planta que gera dependência justamente pela baixa concentração de THC”, explica o pesquisador Pedro Gabriel Lopes, do Cepedisa/USP | Imagem: CanvaPro
Entre as muitas sementes que esperam a terra certa para germinar, uma finalmente encontrou espaço no solo jurídico brasileiro. O cânhamo, uma variedade da espécie Cannabis sativa, foi liberado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para fins industriais e medicinais. A decisão, ainda que técnica, carrega raízes profundas, um passo que pode transformar não apenas a economia, mas também a saúde, a sustentabilidade e o imaginário sobre o que a cannabis será e se tornará como potência no Brasil.
A mudança foi motivada por uma recomendação da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) ao Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), destacando a versatilidade da planta, do remédio ao tijolo, da fibra ao combustível, da saúde à construção civil.
“Não seria possível proibir o cultivo do cânhamo”
Para o pesquisador Pedro Gabriel Lopes, do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário da USP (Cepedisa), a decisão do STJ tem respaldo legal e internacional, contrariando visões proibitivas e desinformadas que ainda pairam sobre o tema. “É importante destacar que o STJ deu uma decisão fazendo uma leitura do que está previsto nas convenções internacionais, artigo 28, parágrafo 2º da Convenção de Drogas de 1961. Ou seja, não seria possível proibir o cultivo do cânhamo, já que a própria Convenção Internacional fala que isso não está sob fiscalização internacional”, explica Lopes.

Mais do que uma leitura jurídica, trata-se de reconhecer a racionalidade no uso da planta que, diferentemente da maconha, não tem efeito psicoativo. “O cânhamo não é uma planta que você pode fumar e te deixa chapado. Então, ela não é uma planta que gera dependência justamente pela baixa concentração de THC. A decisão afirma que seria possível o cultivo do cânhamo para fins médicos ou industriais, utilizando-o para a extração dos canabinoides e fabricação dos óleos e produtos à base de cannabis no Brasil”, pontua o pesquisador.
Uma semente que pode mudar o acesso à saúde
Com a liberação, abre-se o caminho para o cultivo nacional da planta, desde que respeitadas as regras de fiscalização, controle e rastreabilidade que serão estabelecidas pela Anvisa. Na prática, isso pode significar uma queda significativa no custo de produção de medicamentos e, consequentemente, maior acesso da população a tratamentos à base de cannabis.
Hoje, diversos estados brasileiros já começam a incluir medicamentos canábicos nas listas de itens essenciais. A medida do STJ fortalece essa tendência e pavimenta um futuro onde o acesso não dependa mais de importações onerosas ou ações judiciais.
Entendendo a diferença: cânhamo e maconha
Ambas vêm da mesma espécie, a Cannabis sativa, mas o cânhamo e a maconha são, na prática, plantas com funções distintas. A diferença está na concentração de THC, o principal composto psicoativo da cannabis.
Enquanto a maconha pode conter altos índices de THC, o cânhamo apresenta níveis residuais, inferiores a 0,3%, patamar adotado por países como EUA e nações europeias. “Existe um pouco desse preconceito por parte da população, que tende a não entender essa diferenciação. Não é possível fumar cânhamo e ficar chapado”, reforça Gabriel.
O cânhamo, além de não provocar efeitos psicoativos, é rico em CBD, composto amplamente utilizado em terapias para epilepsia, dor crônica, ansiedade e tantas outras condições.
Menos medo, mais conhecimento
Ainda que o cânhamo não represente risco de abuso, a regulamentação deverá seguir regras claras. Pedro Gabriel Lopes chama atenção para a necessidade de controle, mas reforça que o rigor aplicado à maconha não se justifica da mesma forma ao cânhamo.
“Estamos falando de uma planta que, por não ter uma alta concentração de THC, não deve ter uma preocupação tão grande como, por exemplo, o cultivo da maconha. Essa preocupação vai permanecer válida, porque tem que ter um controle, mas não é a mesma coisa. Inclusive, é importante destacar: o cânhamo pode até ter flores, mas elas têm maior concentração de CBD e baixíssima de THC”, finaliza.
Com informações do Jornal da USP.