“É hora de virar a chave do medo para a responsabilidade”, diz deputado do DF que quer implantar centro de cannabis

Deputado do PSOL propõe criação de centro público de atendimento, pesquisa e produção de medicamentos à base de cannabis no DF: "o SUS precisa abraçar quem mais precisa"

Publicada em 14/07/2025

“É hora de virar a chave do medo para a responsabilidade”, diz deputado do DF que quer implantar centro de cannabis

Tratamento com cannabis pelo SUS: proposta no DF aposta em cuidado, pesquisa e acesso real | Foto: Renan Lisboa/ Agência CLDF

Em tramitação na Câmara Legislativa do Distrito Federal, uma proposta, do deputado distrital Max Maciel (PSOL), busca criar um centro público de tratamento com cannabis, vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Mais do que um espaço clínico, a ideia é unir atendimento, pesquisa, produção de medicamentos e capacitação de profissionais em um só lugar.

“O primeiro impacto dessa proposta é dar nome e lugar para algo que já está acontecendo de forma fragmentada”, afirma o deputado. “Hoje, a cannabis já é usada por pacientes com autorização judicial, já é importada por algumas famílias, e há leis sancionadas. Mas não há um local de referência, um espaço seguro, com orientação, onde ciência, acolhimento e responsabilidade possam caminhar juntos”.


Ciência e participação popular como pilares


O projeto não nasce isolado, mas se apoia em um ecossistema que vem sendo construído pela sociedade civil organizada, universidades e associações de pacientes. “A produção local de medicamentos precisa ser feita com base no que já acumulamos em termos de pesquisa. Precisamos legitimar e integrar o que as associações vêm produzindo, o que as universidades já estudam e o que os pacientes relatam no dia a dia”, explica Max.

Segundo ele, o centro deve atuar em diálogo permanente com essas organizações, com protocolos clínicos baseados na realidade brasileira e na diversidade dos pacientes: “Um medicamento que funciona para um, pode não funcionar para outro. O centro propõe exatamente isso: entender as especificidades de cada caso, e orientar o uso de forma segura, responsável, com acompanhament”, explica.


Do papel à prática: o desafio da efetivação


Max reconhece que o Distrito Federal (DF) já possui leis que preveem a importação de produtos à base de cannabis para famílias de baixa renda, mas aponta limitações concretas. “Os critérios são tão restritivos que poucas pessoas conseguem acesso. Mesmo entre as que se enquadram, o medicamento vem de fora, industrializado, e muitas vezes não responde à realidade clínica do paciente. E o mais grave: não há orientação no uso. Isso pode gerar frustração, abandono do tratamento e até agravamento do quadro”, avalia o deputado.

Para o parlamentar, a criação de um centro público com equipe multidisciplinar – incluindo neurologistas, psicólogos, fisioterapeutas e farmacêuticos – pode mudar essa realidade. “É diferente quando a pessoa tem orientação desde o início. Um centro como esse pode introduzir o tratamento gradualmente, avaliar os exames, indicar o tipo de formulação adequada. Hoje, muita gente desiste porque não tem suporte”, diz.
 

Modelo para o Brasil: “o país precisa assumir sua responsabilidade”


Perguntado se a proposta do DF pode servir como modelo para outros estados, Max é direto: “Sim. Estamos bebendo de boas práticas, pesquisando o que já foi feito em outros lugares, ajustando à nossa realidade e propondo algo exequível. Mas é preciso deixar claro: o Brasil ainda caminha muito devagar quando se trata da cannabis medicinal. É hora de parar de tratar o tema com preconceito e começar a tratá-lo com ciência”, pontua.

Segundo ele, a resistência ao tema ainda está mais no senso comum e na desinformação do que em argumentos concretos. “Enquanto isso, o paciente sofre. A família sofre. E o Estado lava as mãos. Essa proposta quer romper esse ciclo. A gente precisa virar a chave do medo para a responsabilidade”.


Motivações: escuta, vivência e compromisso com a vida


Max Maciel não tem nenhum familiar em tratamento com cannabis medicinal. Mas sua conexão com o tema vem do contato direto com mães, movimentos sociais e associações. “Muita gente me pergunta por que entrei nessa luta. E a resposta é simples: porque vi na prática como essa planta transforma vidas. Foi ouvindo mães que lutam há anos por tratamento digno para seus filhos. Foi entendendo que a violência institucional também se manifesta quando o Estado se omite”.

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Ele cita ainda a influência da RENFA (Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas) e de movimentos da luta antiproibicionista, que o ajudaram a perceber a urgência da pauta e sua interseccionalidade com questões de saúde, segurança pública e justiça social. “Hoje, o mínimo que podemos fazer é garantir o uso medicinal com segurança, orientação e acesso universal. E o SUS é o único sistema capaz de fazer isso com justiça social”.


Um primeiro passo que pode mudar caminhos


O projeto ainda precisa passar por comissões na Câmara Legislativa do DF antes de ser votado em plenário. Mas já representa uma mudança simbólica importante: o reconhecimento de que o uso medicinal da cannabis não pode mais ser negado por preconceito, burocracia ou elitismo.

Se aprovado, o centro poderá transformar o DF em referência nacional no cuidado integral com a cannabis medicinal. Um cuidado que começa pela escuta atenta, passa pela ciência e termina no que realmente importa: vidas que podem voltar a florescer com dignidade.

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