“Tem que montar um centro de monitoramento em casa?”, ironiza advogado após STJ revogar exigência em cultivo de cannabis

Advogado Ítalo Coelho derruba obrigação de filmar plantações domésticas de cannabis para fins terapêuticos

Publicada em 11/07/2025

“Tem que montar um centro de monitoramento em casa?”, ironiza advogado após STJ revogar exigência em cultivo de cannabis

Paciente derruba no STJ obrigação de gravar seu cultivo 24 horas por dia. Imagem: Arquivo pessoal

Durante mais de duas décadas, a cannabis faz parte da vida de Ítalo Coelho de Alencar, advogado e ativista. Primeiro como usuário, depois como paciente. Portador de ansiedade, depressão, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e dor crônica, Ítalo conquistou em novembro de 2023, na Justiça, o direito de cultivar maconha em casa para fins terapêuticos, um novo passo para o apaixonado pela planta.

O sabor da vitória, no entanto, foi logo substituído por uma sensação amarga. A decisão foi parcialmente revogada pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), após manifestação do Ministério Público Federal (MPF), que solicitou a abertura de uma investigação sobre o caso.

A partir dessa intervenção, novas condições foram impostas ao paciente, entre elas, a exigência de videomonitoramento 24 horas por dia do cultivo de cannabis, com armazenamento das imagens para eventual disponibilização ao Estado.

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Ítalo Coelho de Alencar, advogado e ativista. Imagem: Arquivo pessoal

Para Ítalo, a imposição ultrapassava os limites da razoabilidade. “Criaram um ônus econômico e fiscalizatório. O paciente tem que comprar câmeras, adquirir o sistema de gravação, manter tudo funcionando. Quantos terabytes são necessários? Tem que montar um centro de monitoramento em casa?”, questiona.

Além do custo, ele critica a violação à privacidade: “Retiraram a essência do princípio de direito que existe desde a Revolução Francesa: tirar o Estado de dentro da casa das pessoas”. Ítalo se recusou a instalar o sistema de câmeras. Apesar disso, considera justa outra exigência, presentar relatórios médicos atualizados e dados sobre o cultivo e os efeitos do tratamento com cannabis, de seis em seis meses. Obrigação já feita.

 

STJ derruba obrigação de gravação do cultivo de cannabis

 

Agindo em causa própria, Ítalo recorreu. Em julgamento recente, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob relatoria do ministro Ribeiro Dantas, anulou a exigência de gravação contínua do cultivo de cannabis feito por pacientes autorizados judicialmente.

A decisão manteve as demais condições impostas pelo TRF-5, mas derrubou a obrigação de registrar as imagens em tempo real e armazená-las. Segundo Dantas: “Trata-se de transferência indevida do ônus fiscalizatório, pertencente ao Estado, para o paciente que, de forma passiva, vai se gravar e fornecer o material quando requisitado, o que não está previsto em lei e contraria o princípio constitucional da não autoincriminação (‘nemo tenetur se detegere’)”.

O ministro ainda alertou que a medida poderia inviabilizar os efeitos terapêuticos da cannabis medicinal: “A exigência pode comprometer a eficácia da medida para promoção da saúde, por demandar gastos com monitoramento que não se sabe se o paciente poderá suportar, sendo que o Estado possui mais meios de fiscalização do que o particular pode oferecer”.

 

Decisão pode beneficiar outros pacientes que cultivam cannabis no Brasil

 

Ítalo acredita que a decisão, até então inédita, pode abrir caminhos para outros pacientes em situações semelhantes. “Eu já estou usando essa decisão num novo caso. O cliente tinha outro advogado e aceitou as condições inicialmente. Mas agora ele viu que é inviável. Estou entrando com mandado de segurança para derrubar isso”. Para ele, é um passo importante para corrigir distorções. “A gente precisa corrigir essas decisões ruins. E essa vitória ajuda a fazer isso".