Para a Justiça, saber ancestral comprova aptidão do paciente para cultivar e extrair óleo de cannabis

RF-2 concede salvo-conduto a líder indígena, entendendo que o cultivo está inserido em sua identidade, espiritualidade e medicina indígena

Publicada em 24/07/2025

Para a Justiça, conhecimento ancestral é suficiente para comprovar a aptidão do paciente no cultivo e na extração do óleo de cannabis

“O impetrante é pajé, curandeiro e líder espiritual de comunidade indígena, sendo capacitado para o cultivo e a extração do óleo de cannabis”, entendeu a Corte. Imagem: Canva Pro

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) concedeu um salvo-conduto para que um líder espiritual indígena, diagnosticado com transtorno de ansiedade, possa cultivar cannabis medicinal em sua residência para o próprio tratamento, no estado do Rio de Janeiro.

O indígena, que atua como pajé, curandeiro e guardião dos saberes tradicionais, poderá importar até 177 sementes por ano e cultivar 148 plantas destinadas à produção artesanal de óleo terapêutico à base de cannabis.

 

Herança cultural como comprovação 

 

Segundo a Corte, o conhecimento ancestral é suficiente para comprovar a aptidão do paciente para o cultivo e a extração do óleo de cannabis, uma vez que a prática está inserida em sua identidade, espiritualidade e medicina indígena.

“O impetrante é pajé, curandeiro e líder espiritual de comunidade indígena, sendo capacitado para o cultivo e a extração do óleo de cannabis”, afirma o texto da decisão.

Com isso, o TRF-2 atribui valor jurídico ao saber tradicional, reconhecendo-o como forma legítima de conhecimento e capacitação, equiparada à formação técnica formal exigida em outros casos de autorização para autocultivo.

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Advogada  responsável pelo caso, Juliana Amorim. Imagem: Divulgação

Para a advogada Juliana Amorim, responsável pela defesa do pajé, a decisão representa um marco importante. "O que essa decisão sinaliza é que o Direito está finalmente começando a olhar para além de seus próprios muros e a reconhecer a legitimidade de saberes que sempre existiram, mas que eram ignorados pelo sistema formal”, afirma.

Juliana destaca ainda que a decisão vai além de um reconhecimento simbólico. “Ela força o mundo jurídico a admitir que um diploma não é a única fonte de conhecimento válido. Ao fazer isso, a decisão não apenas promove um diálogo, ela o qualifica, tornando-o mais simétrico e respeitoso”, complementa.

 

Cultivo artesanal não é tráfico

 

A sentença também destaca que o cultivo artesanal de cannabis não configura tráfico de drogas, pois é destinado exclusivamente ao uso pessoal e terapêutico. A ausência de regulamentação por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o cultivo doméstico de cannabis foi apontada como um entrave ao direito fundamental à saúde.

Para Juliana, a sentença pode influenciar futuras decisões judiciais. “Com certeza, o potencial para abrir precedentes é imenso e, na minha visão, inevitável. Ela serve como um guia para outros juízes e tribunais, mostrando que é possível tomar decisões que sejam ao mesmo tempo humanitárias, constitucionalmente embasadas e culturalmente sensíveis”, finaliza.